CRÔNICAS

Debate Dutra x Amazonino: Do Jamaxi ao IPK

Em: 10 de Novembro de 1992 Visualizações: 1209
Debate Dutra x Amazonino: Do Jamaxi ao IPK

Você viu o debate entre os dois candidatos a prefeito de Manaus, leitor (a)?

O Amazonino Mendes (PDC vixe vixe) continua presepeiro. Cada vez que descobre uma coisa nova, acha que é o único possuidor daquele “segredo”, que ninguém mais conhece. Ai, ele se sente o “o” do borogodó. Vocês lembram do debate, em setembro de 1986, na campanha para governador? Naquela época ele descobriu – parece – o significado das palavras jamaxi e jacuba. Deslumbrado ele perguntou aos então candidatos Arthur Neto e Marcus Barros:

- Quem não sabe o que é jamaxi e jacuba não conhece o Amazonas e, portanto, não pode ser governador do Estado. Gostaria que os candidatos me respondessem o que pretendem fazer, se eleitos, com o jamaxi e a jacuba.

Na época, se você me acompanha, leitor (a), sabe que descobri que a única pessoa qualificada para governar o Estado do Amazonas era o jornalista Paraguassu Pinheiro de Oliveira, que me respondeu:

- Jamaxi? Ora echa. Eche é o pai do Márchio Chosa, o Jamaxi Chosa, líder chindical dos gráficos.

Pecado Kapital

Amazonino Orellana Álvares Cabral nascido em Eirunepé, acabara de descobrir, em 1986, a cultura popular do interior do Amazonas. Agora, em 1992, Amazonino Ford Taylor transformou-se em técnico de contabilidade e se deslumbrou com as ciências da administração. No último bloco do debate, depois de pegar cacete de José Dutra, o outro candidato (PMDB), surgiu o momento de glória de Amazonino considerado “o melhor orador do Brasil” pela Academia de Oratória Demóstenes, de Eirunepé. Atenção, ele tem uma carta escondida, que vai exibir agora.

Com um sorriso de vitória nos lábios, o rei da cocada preta lança dois tijolaços em cima de Dutra:

- Você, que se acha muito sabidinho, diga lá: O que é o IPK? Depois me explique a diferença entre administração direta e indireta.

Era como se na “pegadinha”, ele desafiasse com um Marque um “x” na resposta correta:

  1. IPK é Impeachment Para Kollor.
  2. IPK é Imposto Pode Kobrar.  
  3. IPK é Isso é Pecado Kapital.  

O que Amazonino não sabia é que a tese de doutorado defendida por Dutra na Sorbonne tinha por título justamente: “O IPK – Índice de Passageiro por Kilômetroe o custo do transporte coletivo na cidade de Manaus”, sob a orientação do dr. Rostorowski, o maior especialista do mundo em IPK. Dutra explicou direitinho. Lavou a égua. Quanto à segunda questão, Dutra riu:

- Essa pergunta infantil não é digna de um senador da República. Júnior, o Dutrinha, meu filho, que estuda o primeiro período de Administração, pode lhe responder.

Pescoço de mola

Aí Dutra passou a discorrer sobre os problemas da cidade e como pretende enfrentá-los: a questão do transporte coletivo, da coleta de lixo, da saúde. Mas vamos verde o debate desde o início.

Quando começou, nos três primeiros minutos, José Dutra não escondia um ligeiro nervosismo. Confesso que eu estava mais nervoso ainda. Afinal, o duelo entre Barreirinha e Eirunepé vai definir os destinos de Manaus.

Os dois adversários com o olhar se medem e analisam a arena da luta. Dutra não faz concessão à demagogia e ao populismo barato: veste paletó e gravata, é claro. Como convém. Afinal, na sua visão, o lar do telespectador não é a Casa da Mãe Joana, é lugar sagrado, que merece respeito. O cabelo impecável com o brilho molhado new wave.

O outro planejadamente avacalhado. Se deixassem, era capaz de entrar em nossa casa vestido apenas de cueca samba-canção. Não deixaram. Entra em manga de camisa. Sempre confundindo as coisas, com uma visão discriminatória da cultura popular, achando que só porque está suando em bicas, o cecê é abençoado e sacramentado pelo povo. Sempre confundindo a vulgaridade com o popular.

Dutra anuncia porque quer governar a cidade. Coloca o dedo na ferida. Chama a atenção para a necessidade de se estabelecer princípio éticos na política. Faz uma homenagem sincera aos movimentos sociais de rua, aos caras pintadas. É a primeira estocada.

O outro, com o pescoço de mola, a cabeça de bubuia procurando se equilibrar em clima do corpo, como se suas ideias pesassem mito, desvia do assunto. Foge da ética como o diabo da cruz. Despeja sobre o telespectador um festival de lorota:

- Os meus colegas do Senado dizem que entendem porque o senador Suplicy deixa o Senado para disputar a prefeitura. Afinal, São Paulo é uma grande cidade. Mas não entendem porque quero ser prefeito, logo da cidade de Manaus. Eu explico.

Ah, leitor (a), Amazonino quer se prefeito – ele diz – porque é fissuradão no clamor popular. O povo assovia e ele sai correndo para atender o chamado. Não resiste. Além do mais, pobre Manaus, fragilizada pelo êxodo rural, precisa dele, que adora ler ciência política. (Mentira, ele não lê nem Tio Patinhas). Conclui – e aí sim, é sincero, embora omisso:

- Tenho competência para gerir os recursos públicos.

Só não diz em benefício de quem, porque a campainha toca estridente: triiim. Ele finge que lamenta a interrupção, mas dá graças ao capiroto porque seu tempo terminou. Ética não é o seu forte.

O rombo

Mas Dutra está atendo. Sua agilidade atenua a cara fechada. Chega até a ser simpático por sua capacidade de raciocínio:

- Ah, é, bebé. Entende de recursos públicos, é? Então vá lá. Explique ao eleitor em que situação você deixou os cofres da Prefeitura de Manaus quando foi prefeito biônico na época da ditadura.

Santa Periquita! Como explicar tamanho rombo? Dutra já está querendo saber demais. O adversário pega o carretel e começa a enrolar. Em vez de responder objetivamente, gasta todo o seu tempo dizendo que não foi prefeito biônico, que não teve votos nas urnas, é verdade, mas teve a aclamação popular. A campainha toca: triiim. Salvo pelo gongo?

Não. Dutra dá o troco em cima da bucha. Informa que o biônico contraiu uma dívida de 30 milhões de dólares no exterior, do qual apenas uma pequena parte serviu para rolar a dívida, a outra foi dada de mão beijada para um só empresário: 21 milhões.

- O deputado está equivocado, equivocado - repete o biônico, ouvindo o eco da própria voz. Mas não contesta os números. Cruza os braços. Descruza. Bota a mão no queixo e tenta desviar do assunto. Ele confunde “rolar com enrolar a dívida. Dutra mete o dedo na feridona e move-o de uma lado para outro, como um parafuso:

- O Amazonino deixou 275 bilhões de cruzeiros aos fornecedores e empreiteiros do Igarapé do Tarumã.

O biônico abandona o riso debochado, se engasga e não contra-argumenta, resmunga qualquer coisa caído na lona:

- Essa questão é muito séria, muito séria – diz. Tudo para ele é “muito sério”.

Aproveito o intervalo para pensar, cá com os meus botões, por que o Gilberto Mestrinho foi inventar Essa Coisa, meu Deus. Pois não é que Essa Coisa acreditou na invenção e crê mesmo que é um grande líder. Agora, o Boto, que inventou essa tristeza, agora terá a fineza de desinventá-la?

A bola rola

E atenção, senhores telespectadores, estamos chegando aos 43 minutos do primeiro tempo: Barreirinha 5 x 0 Eirunepé. O “back-keeper” Dutra avança na área do adversário, dribla um, dois, três, dá um “chagão” e um “banho de cuia”, enche o pé e chuta: Gooool, quando faltava apenas um minutos para terminar o primeiro tempo no Parque Amazonense. A galera festeja. Dutrão, quando quer, pode ficar engraçadinho:

- O Amazonino inventou que é um caboco de trabalho, que arregaça as mangas, que é a própria imagem da competência. Ele fez tudo nessa cidade. Construiu o Teatro Amazonas, a Alfândega e até o Encontro das Águas. Só que não assistiu a inauguração de tais obras, porque sempre acorda só ao meio-dia, porque entra madrugada adentro jogando dominó.

Final do primeiro tempo Barreirinha 6 x 0 Eirunepé. Vamos agora ouvir os abalizados comentários do Moreira. Faaaaala, Moreira!

- Exatamente, Bosco. O lance foi exatamente como você falou. Estamos agora iniciando o segundo tempo no Parque Amazonense. Amazonino acaba de dar um chute, a bola atravessa o Beco do Macedo  e cai no cemitério.

O Dutra diz que vai salvar a Zona Franca de Manaus, cuja intocabilidade foi garantida por Itamar Franco. No entanto, o mesmo presidente está enviando agora uma mensagem ao Congresso, aniquilando a ZF.

Dutrão, quem diria, aplica mais uma finta. Esboça um sorriso de compaixão pelo senador. Explica que o biônico está totalmente fora dos mecanismos de tramitação no Congresso e nem sabe como é que um presidente envia uma Mensagem ao Parlamento.

Amazonino sente que mijou fora do caco. O telespectador percebe. O locutor Leal da Cunha dá um berro que o Zamith registrará em sua coluna Baú Velho trinta anos depois.

- Goooool. Barreirinha 8 x 0 Eirunepé.

Lixo reciclado

Dutra faria ainda vários outros gols. Um de bicicleta, na questão transporte. Outro numa cobrança de falta na coleta do lixo.

- Meu adversário que imitar o sul do País, obrigando as crianças a venderem lixo para fabricar papel reciclado. Um absurdo. No sul industrializado existem muitas fábricas. Aqui, pra quem vender o lixo? Vamos exportá-lo de avião para São Paulo?

Um frangaço do goleiro de Eirunepé.

No tema saúde, Dutra cobrou um corner, correu para a grande área e ele mesmo cabeceou: a bola beijou o véu da noiva. O candidato biônico promete que vai dotar os postos de saúde com uma ambulância, que em dez minutos atenderia o eleitor (a quem nunca atendeu quando foi prefeito e governador). Dutra, rápido no gatilho, fez as contas e desmontou a mentira demagógica. Para fazer isso, a Prefeitura teria que gastar 25% do seu orçamento só para a compra de ambulâncias (Afinal, o seu reserva é o médico Wilson Alecrim, não é um Eduardo Braga qualquer).

O barco do Amazonino

E por falar no Dudu Braga, Dutra afirmou que registrou uma declaração em Cartório de que vai jogar o jogo até o final do mandato. Desafiou Amazonino a fazer o mesmo:

- Não assino nenhum papel, porque basta a minha palavra de honra.

- Sua palavra não basta – responde Dutra. Você fez juramentos a Umberto Calderaro, ao Mario Frota, ao Gilberto Mestrinho e enganou todo mundo. Não completou nenhum mandato, que usou para concorrer outras eleições. Pulou fora de todos os barcos para os quais foi eleito. O único barco do qual não pulou fora foi este aqui. (Dutra exibe a foto do iate de Amazonino, com suas antenas parabólicas, dez suítes, vídeo cassete, coisas de cinema de fazer inveja ao cantor Roberto Carlos. Construído da mesma forma que o avião particular do PC Farias, o Morcego Negro.

Amazonino tenta descolar um pênalti. Caído na área, murmura para enganar o árbitro:

- Nunca lhe chamei de ladrão, deputado.

O juiz percebe a manhã e manda prosseguir. Dutra arremata.

- Nem podia, senador. Sou trabalhador, com carteira assinada. Meus bens estão todos declarados, foram obtidos com o suor do meu rosto. Não tenho amizades com o submundo. Já o senhor afirmou – está filmado e gravado – que tem uma fortuna de 200 milhões de dólares, que é o homem mais rico do Amazonas.

Partida encerrada: Barreirinha 50 x 0 Eirunepé. Mas quem ganhou mesmo foi a cidade de Manaus. A torcida agora está confiante que a nossa seleção vai ganhar o segundo turno dia dia 15 de novembro.

P.S. 1  Comentários sobre o debate:

Fábio da Teca, um cara pintada que estuda no CIEC: - Foi uma luta de boxe. Dutra dava um uppercut e o Amazonino não conseguia se defender do golpe. Caiu várias vez sobre a cordas e foi nocauteado.

Zeca da Stella: - Amazonino não se preparou para o debate, confiou na desinformação do telespectador, se ferrou lindo. O Dutra passou com um trator em cima dele.

Marcinha da Bambi, 9 aninhos: O Amazonino é mentiroso.

Amazonino Mendes – Militantes do PT e do PCdoB, confio em vocês. Só o voto nulo de vocês pode me salvar.

José Dutra: (com sua linguagem rebuscada) - Nem o voto nulo te salva, pilantróide. Tua candidatura é inexequível. Eu sou o óbice.

Comentário da coluna Taquiprati – O nosso obrigado ao repórter Tambaqui e à Bambi. A Crítica me pediu abordar o debate na coluna. Desculpem o textão. Espero que o voto nulo não favoreça a pilantragem.

P.S. 2. Resultado do 2º turno: Manaus sendo Manaus: A chapa Amazonino Mendes e Eduardo Braga (PDC) em coligação com PFL, PTB e PRP, todos vixe-vixeados, ganhou com 205.185 votos (57,59%). José Dutra (PMDB) e Wilson Alecrim (PSDB) perderam com 151.093 votos (42,41%). Grande abstenção e muito voto nulo. Não necessariamente quem é melhor no debate, ganha a eleição, especialmente no contexto em defesa do voto nulo.

Ver também: https://www.taquiprati.com.br/cronica/699-o-febeasma-tem-jacuba-no-jamaxi

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1 Comentário(s)

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Cláudio Nogueira comentou:
11/10/2024
Eu vi esse debate. Eu acreditava que o Mau Menino iria colocar o José Dutra no bolso fácil, fácil. O Dutra foi pra cima do Amazonino a mil.
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