CRÔNICAS

Mirandinha vai às compras

Em: 01 de Agosto de 1995 Visualizações: 8479
Mirandinha vai às compras
Todos os domingos, bem cedinho, a ex-deputada Beth Azize vai fazer compras no mercado Adolpho Lisboa. Em cada boxe, ela pára, cumprimenta o feirante pelo nome e engrena um papo:
 
- Oi, seu Lelé! Tudo bem? Como vai a comadre Valdirene?
 
- Minha mulher tá ruim, dona Beth. Pressão alta.
 
- O senhor já deu erva-de-jaboti pra ela? Dê, que acalma. O Tufic se curou assim. Me diga, seu Lelé, os meus afilhados – o Valdinei e o Valdenor – já ficaram bons da gripe?
 
Beth pula de banca em banca, receita, dá e recebe conselhos, distribui simpatias, abraços e afagos, repetindo em todas elas o mesmo ritual. Quem registrou tudo isso em sua coluna ‘Aduana’ foi o Rogério Pina, que no final provocou: “Du-vi-dê-ó-dó, macaxeira-mocotó, que alguém tenha visto o Gilberto Miranda fazendo compras no Mercadão”.
 
Taí. EU VI. Para a sorte dos leitores, EU VI. É. Euzinho mesmo. Vi com esses olhos míopes que a terra há de comer? NÃO. Vi com os olhos da imaginação, que enxergam longe e permitem ver todos os detalhes, inclusive quem era o puxa-saco que estava carregando a bolsa de compras dele. Daí, passo a contar como é que o Gilberto Miranda, um dia, foi às compras no Mercadão de Manaus.
 
Irmão do Podrão
 
Antes disso, ainda que mal pergunte: já te apresentei o Gilberto Miranda, leitor (a) Não? Putiteba! Que falha! Ele é conhecido como Mirandinha para diferenciá-lo do irmão, o Mirandão Podrão, o Egberto, aquele que fez sujeira com a mãe da filha do Lula. Mas é melhor deixar esta tarefa para a revista VEJA.
 
Há dois meses, VEJA publicou matéria revelando que esse desconhecido senador sem voto, quase cinqüentão, de cabelos cortados à Chitãozinho e Xororó, tem um patrimônio declarado de 500 milhões de dólares: empresas, mansões, ilha, fazendas, casas de campo, carros importados, helicóptero, jatinho Learjet, uma adega com 2.000 garrafas de vinhos estrangeiros e o diabo aquático.
 
“Seu guarda-roupa parece uma sucursal da Rue de Rivoli, de Paris. Tem cinqüenta pares de gravata Hermes e Lavin, sapatos Botticelli e ternos com tecido Zegna. Só sai de casa com uma metralhadora HK”, informa a revista. O que alguém, que já tem tudo isso, quer comprar no Mercadão, se lá não vendem mandato de parlamentar?
 
Ops! Espera lá, leitor (a)! Existe outra pergunta que antecede a essa. Como é que o filho de um tintureiro pobre do interior de São Paulo, que em 1975 não tinha onde cair morto, conseguiu em vinte anos ficar nadando em dinheiro? Resposta: nadando. É. Nadando em água. Segundo VEJA, Mirandinha era professor de natação de um colégio, onde estudavam filhos de famílias ricas, incluindo a trinca Fernandinho Collor de Mello, Paulo Octávio e Luiz Estevão. Essas amizades lhe foram úteis.
 
Formado em direito por uma ‘jaqueira’ – o CEUB de Brasília – Mirandinha foi advogado de uma empresa que contrabandeava calculadoras do Japão e as vendia no Brasil, como se fossem produzidas em Manaus, segundo a revista VEJA. Desta forma, descobriu a mina da Zona Franca. Casou-se, convidando para padrinho, adivinha quem? Adivinhou. Foi ele mesmo, Aloísio Campello, então superintendente da Suframa.
 
Bem entrosado, durante vários anos Mirandinha obteve cotas de importação, o que lhe deu cacife para associar-se a grandes empresas. “Era um porteiro de luxo da Zona Franca. Talvez isto não seja crime, mas é um escândalo imoral”, afirmou a VEJA um advogado. Em 1983, ajudou a financiar a campanha de Gilberto Mestrinho, tornando-se Secretário de Desenvolvimento Regional do Amazonas, sem nunca sair de São Paulo.
 
Pois bem, foi esse Mirandinha que, morrendo de inveja da Beth Azize, decidiu ir às compras. Mas Beth nasceu ali, nos Remédios, no meio da turcalhada, conhece todo mundo. Mirandinha não sabe nem o que é um igarapé, nunca tomou tacacá, seus dentes jamais abriram uma estrada asfaltada num caroço de tucumã. Ele está vagando e andando pro Amazonas. No entanto, na hora de pedir votos, finge que é um autêntico caboco suburucu.
 
Caboco suburucu
 
Com o objetivo de decifrar o Amazonas, Mirandinha contratou um assessor amazonense, o Vicente Limongi, conhecido puxa-saco que mora em Brasília. Os dois chegaram ao aeroporto Eduardo Gomes, decidindo ir direto ao Mercadão. Para disfarçar qualquer luxo, entraram num carro da Empresa Tucuxi Radiotáxi, dirigido por um motorista, um cabocão de Coari, que tem o apelido de Tatu e mora na Sapolândia, por detrás do Conjunto Adrianópolis.
 
- Uma corridinha rápida ao mercado Adolpho Dias – ordenou Mirandinha, assim mesmo, no imperfeito do indicativo, confundindo com a Rua Marcílio Dias. O Tatu pensou:
 
- “Ih, mais um gringo metido à besta”.
 
Tatu sentou o pé no acelerador, furando tudo que era sinal, em manobras perigosas.
 
- Per San Genaro! – gritou Miradinha, pálido de medo.
 
- O quê? – perguntou Tatu, que não viu nenhum capítulo da novela 'A próxima vítima', onde vários personagens eram filhos de imigrantes italianos.
 
- Ele está dizendo “Valei-me Santa Etelvina” – traduziu o assessor puxa-saco, que é bilingue e entende os dois idiomas: o paulistês e a língua amazonense. Mirandinha ainda choramingou:
 
- Ôrra, meu! Olha o farol!
 
- Antes que o Tatu perguntasse “o quê?”, o assessor foi logo traduzindo:
 
- Égua ,maninho. Espia o sinal!
 
Quando chegaram ao Mercadão, foi um vexame. Mirandinha confundiu tudo. Olhou a sorva e um cacho de mapati e pediu um quilo de uva. Viu alfavaca e encomendou manjericão, escolheu jambo e mandou embrulhar seis maçãs, o jambu ele chamou de agrião, o biribá de fruta-do-conde, misturou tucumã com pupunha numa salada fenomenal, chamando ainda o tacacá de sopa de verdura.
 
- Seu Eleutério, me dê uma abóbora caipira e cinco quilos de aipim – ele disse olhando o nome do feirante no cadastro da Prefeitura. Mas nem mesmo o seu Lelé lembrava o seu próprio nome de batismo. O assessor traduziu:
 
- Seu Lelé, me dê um jerimum caboco e cinco quilos de macaxeira.
 
No final, querendo enriquecer sua adega, Mirandinha comprou vários litros de vinho de... buriti, açaí, patauá e bacaba, que foram estocados ao lado do Mouton Rothschild, do Chateau Picaretage, do Bordeaux Nouveau Riche Babaká. No pavilhão do peixe, não entendeu bulhufas quando falaram de pitiu. Aí misturou bodó com tucunaré, pirapitinga com tambaqui e jaraqui com pacu. Quando o peixeiro perguntou
 
 – “Pirarucu?”.
 
- “Tiraram sim senhor, tiraram o loló da seringa”, respondeu Mirandinha.
 
É. O Mirandinha nasceu mesmo na cidade paulista de São José do Rio Preto. Mas a nossa gloriosa e mui heroica vila, que também já foi denominada de São José, é São José, mas São José do Rio Negro. Vila essa que, como todo buraco que se preza, fica mais embaixo. Digo, mais em cima.

P.S. Ver:

Goethe, Limongi e o Grosse Hintern http://www.taquiprati.com.br/cronica/369-goethe-e-limongi-o-grosse-hintern

De novo, São Pedro -  http://www.taquiprati.com.br/cronica/494-de-novo-sao-pedro

CARISSIMO LIMONGIhttp://www.taquiprati.com.br/cronica/495-carissimo-limongi

 

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