.Era madrugada avançada. O caboco Prudêncio, vigia da casa onde funciona o Comitê do Serafim, dormia, só de cueca, sonhando com Coari, sua cidade natal. De vez em quando, coçava a frieira no punho da rede de tucum. De repente, acordou com sons de tamancos batucando no quintal. Pegou o revólver. Foi até à janela de trás. Espiou. Os tamancos, levantando a poeira do chão, escondiam um vulto. “A essa hora, com a campanha para prefeito quase no fim, quem será que está entrando pelas portas dos fundos?” - pensou.
Do meio da poeira, emergiu um chapéu de cowboy. “Deve ser um pistoleiro. Vou botar duasazeitonas na cabeça dele”, decidiu Prudêncio, apontando o revólver. Quando ia atirar, a frieira coçou outra vez, obrigando-o a se abaixar. Foi aí que ele viu, nitidamente, quem estava debaixo do chapéu. Não era um caubói. Era uma mulher. Era ela. A deputada Alzira Ewerton.
Durante anos, Alzirinha frequentou a piscina do quintal do Amazonino. Só saiu de lá, depois do segundo turno, quando subiu no muro divisório, que separa os dois quintais. Ficou um tempo lá em cima, sem saber se vinha prá cá, se voltava prá lá, ou se ficava ali mesmo, em cima do muro. Finalmente, atraída pelo cheiro de tambaqui na brasa pulou a cerca pro lado de cá.
- Atiro ou deixo ela entrar? - perguntou Prudêncio. Ele sabia que em eleições passadas, Alzirinha, do outro lado, havia disparado contra nós, ferindo de morte alguns dos nossos. Mas agora - é verdade - ela vinha em missão de paz e concórdia, cantando alegremente “Samba blim, blim blão, Serafim na Prefeitura de Maná-aus”, acompanhada pela “Banda dos Novos (Ano) Felinos”, formada por J. Eckner, Ronaldo e Xuxinha.
Prudêncio está num dilema. Deve vingar-se, disparando contra Alzirinha Blim-Blim-Blão ou deve soltar foguetes, comemorando a chegada de mais um aliado? Você decide, leitor (a). Se achar que Alzirinha deve ser barrada, telefone para 000; caso contrário, ligue já para o 001. Enquanto isto, voltamos ao quintal do Serafim, onde nossa repórter Bambi Menegha acompanha a reação do público. É com você, Menegha.
- O público aqui está dividido. Os “serafineiros”, vivos, querem que Alzira seja bem recebida. Do outro lado do muro, os “caboqueiros”, vivíssimos, têm interesse no tiro de Prudêncio. Os indecisos, mortos de rir, confundiram os programas e estão apenas torcendo para que o senador Caxias deixe a mocréia da Maria Rosa e tenha um caso com a Chiquita. Bambi Menegha, do quintal do Serafim, para o Taqui-Pra-Ti Decide. É com você, Babá, aí nos nossos estúdios.
No próximo bloco, você vai ver, leitor (a), como Alzirinha Blim-Blim-Blão fez seu exame de consciência e arrependeu-se, contrita, de seus pecados. Entre Lúcifer e Querubim, ela escolheu o Serafim. Serafinou, depois de anos de dominó com o chamado “grupo político” ou “organização” do Amazonino. Testemunhou fatos horripilantes. Ela sabe o que diz:
- O Cabo Pereira só faz o que o Amazonino manda. É um puxa-saco. Sua vitória (improvável) concentraria todo o poder nas mãos do atual governador. O que seria um perigo para a cidade de Manaus. Por isso, pulei fora - ela afirma com argumento, aliás, corretíssimo.
Bem, leitores, estamos chegando ao nosso último bloco. Os telefonemas já decidiram. Vamos agora assistir a cena final que você escolheu.
A mira de Prudêncio oscila entre o chapéu e os tamancos. Seus dedos começam a pressionar o gatilho. Lembra-se com raiva das presepadas da ex-juíza. Suspense. Pára. Reflete. Pensa que Manaus é mais importante que uma vingancinha pessoal. Em vez de atirar, coça a frieira com a arma. Alzirinha Blim-Blim-Blão escapa do tiro fatal. Com cara de madalena arrependida, chega ao Comitê do Serafim, onde é recebida com um buquê de flores. O autor desta coluna oferece-se para fazer o discurso - sincero - de boas vindas:
- Bem-vinda, companheira Alzira! Posso chamar-te assim, de companheira, como faço com a Lucimar Mamão? Chega-te aos bons, Alzirinha, e serás um deles. Não importa se chegas tarde ou pelas portas dos fundos. Não importa. Não importa se vens atraída pelo cheiro de tambaqui na brasa ou motivada por nobres ideais. Nada disso é importante. O importante é que o Banco Real dá desconto de até 10%. E que juntos, eu, tu e milhares e milhares de (e) leitores, anônimos ou não, elegeremos Serafim prefeito de Manaus. Poderemos - quem sabe? - começar a construir uma cidade melhor para nossos filhos e inaugurar uma forma mais sadia de fazer política.
Emocionada com meu discurso, Alzira limpa as lágrimas dos olhos com um lenço que lhe oferece Serafim, o ourives que fabricou as alianças. Então, todos - eu, Alzirinha e os (e) leitores desta coluna, nos damos as mãos e cantamos:
- Samba blim, blim, blão, Serafim, é o prefeito de Maná-aus.
Na última cena aparece Tony Ramos falando:
É. Você decidiu. A maioria preferiu que Prudêncio não atirasse, economizando uma bala e um voto para Serafim. O bravo vigia percebeu que a saída de Alzirinha da “organização” é emblemática. Indica que o iate do Amazonino começa a afundar e que os ratos estão abandonando o navio. Na próxima semana, você vai decidir se Oana rima com grana e se o Edmar Costa é onça com pele de anta ou anta com pele de onça.
Lá fora, desesperados, os “caboqueiros” insultam:
- Essa aliança é um monstrengo, um Frankstein. Tem duas cabeças: a do Serafim e a do Arthur. O corpo é do Mestrinho, os braços do PT, as pernas do PC do B, e a unha encravada do dedão do pé da Alzira Ewerton. Viviam brigando entre eles e agora estão todos juntos, no mesmo saco de gatos. Uma incoerência - reclamou o cabo do Cabo, Eduardo Braga.
O episódio da Alzirinha estimula uma discussão sobre alianças. Com quem, quando e como se aliar? Quando desfazer alianças? Do ponto de vista ético, é válido e coerente aliar-se aos adversários de ontem (e de amanhã)? Braga, que já segurou a alça do caixão do Amazonino, em enterro simbólico, não é um poço de coerência, não tem a pureza de uma Irinéia. Com sua frase, ele revela que, politicamente, é um atrasadão. Não compreendeu que a cidade de Manaus é mais importante que desavenças políticas e picuinhas ideológicas. Que o segundo turno foi concebido, justamente, para estimular alianças provisórias entre forças que possuem,num determinado momento, um mínimo de interesses comuns.
Fazer alianças faz parte do jogo democrático. Elas devem ser feitas, de forma clara e transparente. O que é imoral é trocar cargos, comprar opinião, vender privilégios. Se todas as casas de Manaus estivessem ameaçadas por uma enchente do rio Negro, seria válido fazer uma aliança com o Amazonino e com o capiroto, só com esse objetivo: salvar Manaus da catástrofe. Uma vez evitada a enchente, voltaríamos a brigar outra vez, o que é sadiamente democrático.
Por que é que tanta gente, tão diferente, com tantas contradições, acabou se unindo neste segundo turno? Para salvar a cidade: Manaus nos une. E para derrotar uma determinada prática indecente de fazer política: o Amazonino também nos une. No mais, é rezar para que a frieira do Prudêncio continue ganhando mais votinhos para o Serafim. Benvinda, companheira Alzirinha Blim-Blem-Blão! Tua vinda levanta a poeira do chão! .