CRÔNICAS

A comadre e os deputados na Sapolândia

Em: 08 de Abril de 1996 Visualizações: 2276
A comadre e os deputados na Sapolândia

Neste momento em que alguns incautos começam a ler esta crônica, barcos navegam por diferentes rios do Amazonas, transportando inúmeras famílias, que se deslocam do interior para Manaus, onde pretendem residir definitivamente. Trata-se de um processo que se acelerou nos últimos anos. São os fugitivo do Terceiro Ciclo – programa eleitoreiro desastroso do governador Amazonino Mendes, feito sem qualquer planejamento, nem diálogo com agricultores familiares, pescadores e ribeirinhos.

Quem migra, viaja com a rede pendurada e a trouxa amarrada, o coração embalado de esperança e a cabeça povoada de sonhos. Espera encontrar pão, trabalho, moradia, escola, hospital, justiça, segurança e dignidade.

Mas quem migra carrega também incertezas, dúvidas e muito medo. As estatísticas mostram que milhares de cabocos – homens, mulheres, crianças – chegam anualmente à capital, onde acabam – coitados! – engrossando o exército dos “sem-terra” e dos “sem-teto”. O sonho logo se transforma em pesadelo, fome, desemprego, doença, favela, insegurança, bandido, polícia, violência e humilhação.

Foi o que aconteceu com dona Rosicleide – a “Comadre”. No mês de setembro, logo após a Festa do Tucumã, ela deixou Novo Aripuanã, desceu o rio Madeira e veio para Manaus, carregando os seus trinta e muitos anos e os oito filhos. Conseguiu morar provisoriamente, de favor, no “Riachinho”, nome oficial da “Sapolândia”, onde suas crianças convivem no meio do pantanal, com o lixo despejado do Hospital do Câncer.

Nas últimas chuvas, quando a Sapolândia ficou alagada, o barraco ganhou um novo agregado: “Passa-Fome”- uma cadela vira-lata, esquálida, pirenta e de olhos tristes, que só não morreu afogada porque foi salva por Rosivaldo, o filho mais velho da Comadre. A cadela agora compartilha os carinhos e o escasso pirão familiar.

Comadre cadê Compadre?

Dona Rosicleide tira seu precário sustento, trabalhando como emprega doméstica diarista, um dia aqui, outro ali. Uma vez na semana, ela passa roupa na casa da Preta, que como o leitor sabe, é asmática e tem alergia a ferro de engomar. Na semana passada, a Comadre – que é conhecida como Comadre, porque chama todo mundo de comadre – chegou explodindo de alegria:

- Comadre, o Governo vai dar dinheiro para quem veio do interior.

A Preta achou que a Comadre não estava “boa da bola”. Ralhou:

- O que é isso? Deixe de bobagem. De onde a senhora tirou ideia tão maluca?

- Deu no Rádio. Cada pessoa vai ter um auxílio-moradia. É muito dinheiro, São R$ 1.650,00 por mês. Deu no Rádio – repetia a Comadre, eufórica, como se isso atestasse a veracidade da notícia.

A Preta pediu pro Geraldão ligar para a Rádio Rio-Mar. A confusão foi desfeita. Efetivamente, a notícia falava do projeto da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALEAM), que concedia auxílio-moradia aos que vieram do interior para viver em Manaus. Mas o auxílio não se destinava à população pobre, carente, que não tem onde morar. Era para os deputados que têm domicílio eleitoral nos municípios e residem na capital.

O projeto, portanto, não beneficia as “comadres” que necessitam tanto, mas exclusivamente os “compadres” da ALEAM, que não precisam porque já recebem um gordíssimo salário mensal de R$ 6.000,00.

Pagos pelo contribuinte para legislar em benefício da população, os deputados legislam em causa própria. O autor do projeto é um tal de Geraldo Medeiros (PTB vixe vixe), tendo como coautores os demais membros da Mesa Diretora, entre os quais – guardem esses nomes – Belarmino Lins (PFL vixe vixe), Joaquim Corado (PRP – vixe bis) e Nonato Lopes (PTB arre égua).

Vai pra Urucurituba

Diante da repercussão negativa e das críticas da imprensa de que se tratava de um privilégio insuportável, o deputado Enéas Gonçalves (PPB vixe vixe) teve a audácia de perguntar:

- Por que os deputados não podem ter privilégios?

Quando a dona Rosicleide – a Comadre – ouviu essa pergunta cretina ficou tão indignada que teve vontade de mandar o Enéas fazer hemodiálise em Urucurituba. Da minha parte, tento responder aqui a pergunta do deputado:

- Olha aqui, Enéas. Te orienta e te observa. A Assembleia Legislativa é mantida pelo contribuinte para cumprir uma função social, servindo a população que ela representa. A Assembleia não existe para você, mas para o povo. Seu objetivo não é melhorar as condições de vida dos deputados, mas encaminhar soluções para as pequenas e grandes tragédias coletivas. Esta Casa na qual você legisla não pode ser achincalhada por um grupo de compadres picaretas, que só pensa em tirar vantagem pessoal e está se lixando para os dramas que afligem o eleitor. Não seja mesquinho, Enéas. Pense grande. Faça como a Comadre: acolha nesta Casa quem passa fome e divida o seu pirão.

Será que isso é possível -  pode perguntar o deputado.

- Sim, isso é possível, Enéas. Espelhe-se no comportamento do procurador regional Wallace Bastos. Com coragem e lucidez, ele pediu a cassação do Joaquim Corado por corrupção comprovada na eleição de 1994. Faça história, Enéas. Cuidado com as más companhias, Enéas. O Belarmino não é recomendável: é um, cabide ambulante de mordomias e empregos. Distância prudente deve ser mantida do Corado. O ressarcido Omar Aziz deve ser evitado para não te contaminar com o vírus da corrupção. Lupércio e Tiradentes, nem falar.

- O que fazer, então – pergunta desnorteado o Enéas.

- Procura na tua própria família, Enéas. Fala com o João Pedro e ele te explicará porque os deputados não podem ter mais privilégios do que já usufruem. Se ainda assim você não entender, Enéas, então só lhe resta seguir os conselhos da Comadre e comprar uma passagem para Urucurituba.

P.S. 1 – Pauderney Avelino anda desovando notinhas nos jornais, dizendo que está cotadíssimo para ser ministro. Ele mesmo recortou várias dessas notas e mostrou-as, numa audiência com Fernando Henrique, indagando: “Presidente, a imprensa está perguntando se é verdade que eu vou ser ministro. O que é que eu respondo?”.  FHC, discípulo de Tancredo Neves, foi rápido no gatilho: “Confirme que eu te convidei, mas diga que você não aceitou.

P.S. 2 – Omar Abdel Aziz se apresentou como “radialista” e brevemente inaugura na TV Rio Negro um novo programa de televisão, diz-que em defesa do consumidor. Ninguém sabia que o apelido do Amazonino era “consumidor”, nem que Omar Abedel era radialista profissional. Abelardo do Sindicato dos Radialistas devia fiscalizar. A demagogia do Lupércio a gente é obrigado a engolir, porque ele está legalmente habilitado. Mas onde é que Omar tirou o seu diploma de comunicador?

P.S. 3 – A Pastoral da Criança está de parabéns. Os meninos do Catalão já têm transporte escolar.

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