.Termina hoje o I Encontro de Escritores no Amazonas, cuja programação incluiu a realização de rodas de leitura e oficinas da palavra, além de entrevistas e depoimentos de alguns autores de expressão nacional sobre o processo de criação literária.
O contato direto de quem escreve com quem lê devia ser realizado com mais frequência. São raras as oportunidades que os escritores têm de parar para refletir sobre o seu ofício com os leitores. Em geral, eles escrevem, mas não contam como é o processo de construção de seu texto, nem revelam os mistérios de sua carpintaria, porque algumas vezes eles mesmos não pararam para refletir.
O primeiro aspecto misterioso da escrita consiste justamente na operação de tornar visível aquilo que é invisível, registrando sons e aprisionando-os em signos silenciosos. Foi essa magia que encantou os ameríndios no período colonial. Herdeiros de uma rica tradição oral, eles levaram algum tempo para entender como é que o papel podia falar.
Todos nós temos um pouco do encantamento indígena diante do processo de criação literária, cujos complexos mecanismos permanecem, em grande medida, ignorados. Alguns escritores falam do prazer, mas também da angústia de produzir um texto literário. Como é mesmo que se desenvolve o processo de criação, que varia tanto de um autor para outro?
Machado de Assis, em “O Cônego ou a Metafísica do Estilo” entrou na cabeça do seu personagem – o padre Matias – para descrever o que acontecia lá dentro, no momento em que este tentava escrever o seu sermão. Enquanto o cônego rascunhava o papel, um substantivo fazia piruetas dentro do seu cérebro, buscando desesperadamente um adjetivo adequado. Depois de muitas aventuras, eles se encontram, finalmente, unem-se em um abraço e afloram do inconsciente permitindo a finalização do sermão.
As palavras têm sexo, amam-se, casam e “o casamento delas é o que chamamos estilo” – conclui Machado. O escritor é o mestre de cerimônia responsável por esta união amorosa.
Muitas vezes, no entanto, o casamento se torna difícil porque, como admite Calos Drummond no poema “O Lutador”, algumas palavras, fortes como um javali, resistem e não podem ser agarradas facilmente. Outras, se acariciadas, deixam-se enlaçar num primeiro momento, mas logo fogem, antes da lua-de-mel. Por isso, escrever é um combate permanente com as palavras.
- Lutas com as palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã – constata Drummond. Nesse combate, é importante levar em conta sua advertência em “Procura da Poesia”, quando aconselha a quem escreve:
- Penetra surdamente no reino das palavras.
Segundo o poeta, cada palavra, com suas mil faces secretas, pergunta a quem escreveu: “Trouxeste a chave?”
Escritores anônimos e desconhecidos e até mesmo profissionais calejados sentem, muitas vezes, que a chave lhe escapa, o que cria uma sensação de impotência resumida magistralmente pelo poeta peruano Cesar Vallejo:
- Quiero escribir, pero me sale espuma, quiero decir muchísimo y me atollo.
Uma das chaves talvez possa ser encontrada na estratégia proposta por Drummond relacionada à capacidade do escritor de conviver com os seus textos antes de escrevê-los. De ter paciência, se obscuros. Calma, se o provocarem:
- Espera que cada um se realize e se consuma com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.
No futebol, o que faz de um jogador um craque é a capacidade de colocar a bola onde ele quer e ali onde a torcida espera. O craque da escrita é aquele que consegue tecer um discurso com as palavras mais justas e adequadas para compartilhar com o leitor ideias e sentimentos, cativá-lo, seduzi-lo, provocando nele o prazer da leitura e instigando-o à reflexão. É aquele mago que consegue organizar o discurso do seu leitor, permitindo-lhe que se reconheça no texto e com ele se identifique. No Amazonas, temos alguns craques da palavra.
P.S. – Leia segunda-feira, na coluna Taquiprati, a versão objetiva sobre o último round da luta Conceição Lins versus Vanessa Grazziotin.