CRÔNICAS

A lição que Maluf não ensinou: o pulo do gato

Em: 03 de Julho de 2005 Visualizações: 8006
A lição que Maluf não ensinou: o pulo do gato
Quem ficou acordado, viu. Foi um espetáculo inquietante transmitido pela TV Câmara até às duas horas da madrugada de sexta-feira. Com o olho esquerdo roxo, ainda sangrando e cheio de hematomas, o deputado Roberto Jefferson deu seu primeiro depoimento na CPI dos Correios. É terrível admitir isso, mas mesmo movido por interesses escusos, ele está prestando um serviço ao país, ao revelar como funciona o esquema de corrupção, que conhece muito bem desde a era Collor. Parece um kamikaze japonês em missão suicida, disposto a explodir o alvo inimigo à custa da própria vida.
Foram quase dez horas de depoimento. Roberto Jefferson confessou que ele próprio fraudou a prestação de contas de campanha eleitoral, mas que não era diferente de ninguém porque, segundo ele, todo mundo fez o mesmo. Reafirmou acusação contra diretores de Furnas, responsáveis por repassar mensalmente R$ 3 milhões para deputados e partidos políticos, incluindo o PT. Só faltou mesmo detalhar a sua participação no esquema montado nos Correios e no IRB e o papel do seu genro em toda essa história.
Como Chacrinha, Roberto Jefferson continua "dando as ordens no terreiro e comandando a massa”. O que fala vira manchete dos jornais. Pauta a mídia, dá pistas para a Polícia Federal, indica quem a CPI deve chamar e, quando contestado, janta os seus interrogadores. Tem informações sobre os podres de quase todo mundo e por isso concentra poder em suas mãos. Demitiu o ministro mais poderoso: “Sai daí, Zé, cai fora”; forçou o Lula a botar pra fora três diretores de Furnas, derrubou um procurador da fazenda e diretores dos Correios. Não é exagerado pensar que pode ser eliminado e aí acaba virando herói. Aliás, para que essa história seja uma tragédia completa, só falta a morte de alguém. Tem cheiro de sangue no ar e não é apenas o do Celso Daniel, prefeito de Santo André que foi assassinado.
Diploma de trambiqueiro
O grave é que as denúncias atingem não apenas os corruptos notórios de sempre, mas dirigentes do PT como Delúbio Soares (tesoureiro), Sílvio Pereira (secretário geral) e Marcelo Sereno (secretário de comunicação), sujando um partido cuja imagem perante a opinião pública sempre foi de decência, de ética e de honradez. Isso enfraquece o partido e mata a esperança de milhões de brasileiros que confiaram na prática e no discurso petista, e de muitos latinoamericanos que viram no PT uma alternativa para as mudanças sociais no continente.
A resposta do PT tem sido pífia e escorregadia, sem uma vontade firme de investigar e de punir os culpados. Delúbio apareceu em público duas vezes: numa entrevista coletiva na sede do PT, e anteontem na Assembleia Legislativa de Goiás. Lá, discursou, chorou, repetiu a lenga-lenga de que um golpe de direita está se armando no país e prometeu mostrar as provas de sua inocência “no momento oportuno”. Francamente, diante de um discurso pouco convincente como esse, a direita não precisa dar golpe para retomar o poder. O Romero Jucá, do `frangogate`, precisou de um golpe para se tornar ministro?
Na visão dos donos do país, o maior crime cometido pelo PT talvez não tenha sido comprar deputados corruptos, prática bastante usual entre eles, usada na reeleição de FHC. O maior crime dos petistas seria o exercício ilegal da profissão, o amadorismo, a falta de profissionalismo. Os quadros do PT não estão adestrados e nem legalmente habilitados para cumprir funções tão delicadas, não estão à altura do cargo. Afinal, para ser trambiqueiro, tem que ser escolado, tem que ter diploma.
Os partidos ‘velhos' não perdoam esses novos políticos do PT, sem diploma e sem berço, que agora querem concorrer com eles, como se fossem os 'novos ricos' da política brasileira. Afinal, os partidos tradicionais vem acumulando experiência no assunto desde a época dos primeiros governadores gerais Tomé de Souza (PFL - viche!), Duarte da Costa (PMDB – viche!) e Mem de Sá (PP – viche! viche!). São sérios no seu ofício. Aprenderam no seio de suas famílias como roubar sem deixar o rabo de fora, vestígios, indícios, sinais, pegadas, rastros, pistas. Dessa forma, acumularam fortunas.
Medo de ser infeliz
Os caras recebem treinamento intensivo para não deixar impressões digitais nos cofres públicos. Aprendem como negar evidências e provas. Maluf é o exemplo mais acabado disso. Recentemente deu um show na televisão brasileira. Jornalistas esfregavam na cara dele os recibos com sua assinatura transferindo grana grossa para os paraísos fiscais, ele olhava para as câmaras e, com um sorriso de aeromoça estampado no rosto, proclamava sua inocência. Negava. Negava sempre. Negava tudo, com convicção. Dona Silvia, os filhos e até os eleitores de Maluf sempre demonstraram orgulho pela esperteza do chefe.
Se é verdadeira a denúncia do Roberto Jefferson, o Delúbio – coitado! - quis fazer o que a elite desse país sempre fez, mas a escola que cursou não lhe deu os instrumentos adequados, ensinou outras coisas, princípios éticos, noções de probidade, retidão, integridade e justiça. A família também não contribuiu. O pai dele, seu Catonho, de 75 anos, é um homem do campo, humilde, íntegro, que morre de fome, mas não pega nem fruta no pomar do vizinho, ela pode apodrecer, que ele não toca. A família em Buriti Alegre (GO) e os amigos estão constrangidos com as denúncias.
O Delúbio, coitado, nas duas vezes que apareceu em público, estava nervosíssimo, suava pra cacete, os lábios secos, a língua empastada e pesada, gaguejou, a mulher ficou atrás dando cola e passando bilhetinho. Ele não consegue esconder que ainda tem vergonha na cara e um certo sentimento de culpa: o que vão pensar dele a família, os amigos, os companheiros? Tentou realizar atividades, sem ter habilitação para isso e pode se ferrar. Devia ter feito antes um estágio nos Correios, no IRB ou na Schincariol. Até o choro dele é amador, suas lágrimas não são profissionais como as do Bispo Rodrigues, acusado de comprar deputados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
O sangue frio que os delúbios não possuem se adquire no berço e na escola. Nas creches, se aprende como chantagear a tia para ter acesso à mamadeira. No maternal, se exercita no roubo da merenda do colega. O segundo grau profissionalizante é em vigarice e fraude. Já na universidade, no curso de graduação, se obtém diploma de 'bacharel em falcatrua', com habilitações em trapaça, desfalque, sonegação e tramoia. O curso de Mestrado é em lavagem de dinheiro e caixa 2 e o doutorado em estelionato. Na convivência com os partidos da chamada 'base aliada', Delúbio pode ter aprendido muitas de suas práticas, mas o que não aprendeu foi a lição que o Maluf não ensinou: o pulo-do-gato, a cara-de-pau.
O doloroso agora é ver a bandidagem com um discurso ético que todos nós sabemos que não corresponde à realidade. O PT, com seu comportamento pusilânime, está permitindo que os trambiqueiros lavem seu passado corrupto e apareçam como cidadãos probos e impolutos. Podem voltar ao poder, purificados, e com um PT na oposição sem moral para questioná-los. Estou com medo de ser infeliz. Que Deus proteja o nosso país!
 
P.S 1– www.picica.com.br Esse é o site onde você pode trocar informação, encontrar links interessantes, registro de eventos e de denúncias, e capítulos da História da Psiquiatria no Amazonas, escritos por Rogelio Casado. O site é da Associação Chico Inácio, filiada à Rede Nacional Internuclear da luta antimanicomial. Vale a pena conferir.

P.S 2 – TAQUIPRATI EM SÃO PAULO. O jornal Imprensa Livre, dirigido por Henrique Veltman, está reproduzindo algumas crônicas do Taquiprati, do Diário do Amazonas. A última foi “O dia do julgamento do Sabino Podrão". Circula nas cidades de Bertioga, Caraguatatuba, Guarujá, Ilhabela, São Sebastião e Ubatuba..

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