VERSION EN ESPAÑOL ABAJO
“A letra de Nhanderu está escrita no céu e na natureza, mas é preciso
aprender a ler essa letra”. (Alcindo Moreira Wherá Tupã, 2015).
O tcheramoi Alcindo Moreira Wherá Tupã morreu neste 14 de setembro aos 114 anos de idade. Líder na defesa da terra e dos direitos indígenas semeou saberes por esse mundo de Nhanderu, como testemunhei em nossas andanças, uma em 2007, quando acompanhados do seu filho Geraldo, visitamos a pajé Zeneida Lima no Marajó. Pude presenciar o encontro de sábios: o líder religioso guarani de Santa Catarina com a herdeira da pajelança cabocla do Pará.
Outro evento foi na Semana dos Povos Indígenas, em 2011, na PUC de Goiás, que organizou a mesa Diálogos interculturais: Universidade e Sustentabilidade Indígena para discutir a ciência, que circula na universidade e o saber indígena, que se transmite oralmente, renovado e atualizado. Abordamos o mesmo tema depois no Museu do Índio (RJ).
De 2003 a 2011, nos encontramos duas vezes ao ano no Curso de Magistério Kuaa Mboé. Juntos, demos aulas na mesma sala para 80 professores bilingues de escolas indígenas situadas em cinco estados (RS, PR, SC, RJ e ES). Wherá Tupã usava a língua guarani e eu, o português. No intervalo, não desgrudava dele e da dona Rosa, bebendo as sábias palavras do casal. Dessa forma, fomos tecendo vínculos de amizade e afeto, até que ele me convidou a visitar sua aldeia de nome poético Reflexo das Águas Cristalinas (Yynn Moroti Wherá) em Biguaçu (SC).
Em um desses encontros conversamos muito. De noite sonhei que meu pai era Nhanderu Tenondé, o Criador do mundo, mas Ele não me reconhecia como seu filho. Acordei suado, suado, decidido a pedir exame do DNA para verificar se Nhanderu era mesmo meu pai. A questão da paternidade divina surgia sempre na interlocução com meu amigo Wherá Tupã. Afinal, quem era esse pajé guarani que fazia até um órfão desamparado em sua fé se sentir filho de Nhanderu?
Nascido em 1909, Wherá Tupá Alcindo Moreira comemorou seu aniversário de 114 anos em 25 de janeiro de 2024. Casado com Poty-Dja Rosa Mariani Cavalheiro, com ela teve oito filhos – cinco mulheres e três homens – e mais de 50 netos, três dezenas de bisnetos e vários tataranetos. Com um século de existência, esbanjando saúde e vitalidade, viajava por esse Brasil, disseminando conhecimentos do bem viver.
Fios da felicidade
Todo mundo se perguntava de onde é que esse homem baixinho, pernas e braços musculosos, cabelos grisalhos, olhos de um brilho extraordinário, tirava tanta força e energia?
- Eu cheguei aos 100 anos, porque fui educado como um guarani – conta. Aprendeu a cuidar do corpo e do espírito com igual atenção. Acordava com os galos, fazia suas orações e, já adulto, aconselhava os mais jovens, ia à roça plantar milho, feijão, aipim, batata doce e hortaliças, base de sua alimentação, onde não entra nem sal, nem açúcar.
Ele tinha a certeza de que o segredo de sua longevidade residia no afeto familiar. “Ninguém é feliz sozinho” – dizia. Dessa forma, ao longo da vida, teceu os fios da felicidade cotidiana, no convívio com as pessoas queridas, no trabalho diário no qual realizava exercícios físicos e se alimentava de comida saudável.
O tcheramoi Wherá Tupã presidia os rituais na Casa de Reza – “a Opy, lugar de aprendizagem da sabedoria de Nhanderu sobre a natureza do mundo e das pessoas”. Lá batizava crianças, orientava e aconselhava jovens e cuidava da saúde de todos, com ajuda de Nhanderu, de quem recebia inspiração e com quem vivia em contato permanente:
- Doença? Não sei o que é isto. Médico fica longe de mim. Me trato com as plantas que cultivo na aldeia, seguindo a sabedoria dos meus avós.
Sua sabedoria ancestral entrou na universidade em 2015. Com sua ajuda, seus filhos Geraldo e Wanderlei Moreira realizaram pesquisa no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), intitulada “Calendário Cosmológico: os símbolos e as constelações na visão guarani”, do qual Wherá Tupã foi o principal “livro” consultado, constituindo-se no orientador de fato. Integrante da banca, pude acompanhar com ele e dona Rosa a defesa deste trabalho.
- Os Guarani para verem a terra, olham o céu. Com a leitura do céu, elaboram o calendário cosmológico chamado Apyka Miri, que conta o tempo, marca o clima, a chegada da chuva, a época de extrair o mel e de semear, o tempo da colheita e de fazer artesanato, a duração das marés, a caça e a pesca, tudo em sintonia com Nhanderu Tenondé - o Pai Criador e com Nhamandu - o Pai Sol. A astronomia e a religião dão suporte para a agricultura guarani, que tem o pé na terra e o olho no céu.
A voz das árvores
O sábio Wherá Tupã aprendeu botânica com seu pai, João Sabino Kauã, de quem recebeu inúmeras sementes. O plantio e a colheita são frutos da observação sistemática, mas constituem também expressões máximas da religiosidade, do trabalho coletivo e da partilha. Ele conhece as plantas, não apenas da mata atlântica.
Na ilha do Marajó, tive o privilégio de entrar na floresta com ele e com a pajé Zeneida Lima, quando assisti uma aula de botânica, que faria delirar o botânico Barbosa Rodrigues, autor de A Botânica - Nomenclatura indígena publicada em 1905. Ali, onde só víamos “árvores genéricas”, os dois sábios nomeavam cada espécie. Naquela ocasião, cada planta foi identificada, cheirada, tocada com carinho, reverenciada, catalogada, classificada, analisada, com suas propriedades medicinais e alimentícias reconhecidas e enaltecidas.
Debaixo da copa de uma árvore, por onde penetrava o sol, a três metros de distância de onde eu me encontrava ao lado do amazonense Amaro Júnior, que filmava com uma câmara japonesa, Wherá Tupã sentenciou:
- As árvores falam, a gente é que desaprendeu e não sabe mais escutar o que elas dizem.
Disfarço sempre minha emoção, buscando refúgio no humor.
- Não estou escutando – brinquei.
Wherá pediu:
- Você não escuta porque está longe. Venha aqui pra perto.
Fui:
- Continuo sem nada ouvir. O que a árvore está dizendo?
- Você não ouve porque só escuta com os ouvidos, não escuta com os olhos. Veja as marcas das unhas do animal, que são as letras de Nhanderu escritas no céu e na natureza. Precisa aprender a ler essas letras.
Vi as marcas das unhas. Era, se a memória não me trai, um jatobazeiro, que informava a passagem por seu tronco de um roedor, cujo nome não lembro, meia hora antes – segundo o que ouviu Wherá. Mas não consegui ler o relógio da árvore. Wherá mostrou a casca ferida com a resina ainda fresca:
- Ainda está escorrendo – disse. Faz pouco tempo que passou.
Caminho florido
As árvores falam e os guaranis escutam, porque para eles toda a natureza faz parte da sociedade, não está separada da cultura. As plantas, os animais, os acidentes geográficos, os rios, as montanhas, os fenômenos meteorológicos são dotados de humanidade e de consciência.
- Essa terra que pisamos é o nosso irmão, ela tem vida, é uma pessoa, tem alma.
Esse é o arandu porã, o bom conhecimento que os Guarani trazem para a academia e que começa a fazer parte das bibliotecas em monografias, dissertações, teses e livros escritos por mestres e doutores, indígenas ou não. Alguns foram ouvir Wherá Tupã lá na sua aldeia.
É o caso da tese “Música e xamanismo guarani” defendida na USP pela doutora Deise Montardo, professora da Universidade Federal do Amazonas e do livro “O caminhar sob a luz, território Mbyá à beira do oceano” de Maria Inês Ladeira, assim como as pesquisas de Ana Lucia Notzold, Flávia Melo, Aguirre Neira, Ismênia Vieira, Helena Alpini e tantas outras da UFSC.
Esses trabalhos criaram uma ponte entre os Guarani e a Universidade, confirmando a conclusão de Darell Posey:
“Se o conhecimento indígena for levado a sério pela ciência moderna e incorporado aos programas de pesquisa e desenvolvimento, os índios serão valorizados pelo que são: povos engenhosos, inteligentes e práticos, que sobreviveram com sucesso por milhares de anos...”
A botânica é um campo que os Guarani dominam bem, especialmente as plantas medicinais. Wherá Tupã era procurado por gente de longe, até mesmo não-indígenas. O tratamento que ele dava foi descrito por Diogo Oliveira do Laboratório de Etnobotânica do Centro de Ciências Biológicas da UFSC.
Na aldeia de Biguaçu existe uma vereda – a trilha da escola, chamada Tape Poty, que significa caminho florido – onde foram colocadas placas com os nomes de plantas medicinais identificadas por Wherá Tupã.
- Vocês pisam nos remédios e não sabem - ele costumava dizer.
Universidade indígena
Esses saberes foram durante séculos pisoteados e discriminados como fruto de culturas “primitivas” e de “obstáculo ao progresso” como sinaliza Jorge Terena:
“Eles veem a tradição viva como primitiva, porque não segue o paradigma ocidental. Assim, os costumes e as tradições, mesmo sendo adequados para a sobrevivência, deixam de ser considerados como estratégia de futuro, porque são ou estão no passado. Tudo aquilo que não é do âmbito do Ocidente é considerado do passado, desenvolvendo uma noção equivocada em relação aos povos tradicionais, sobre o seu espaço na história”.
Hoje, a troca de conhecimentos começa a ser efetiva graças à presença de indígenas na academia, o que não constitui apenas uma política de inclusão social, mas a possibilidade de construção de outro modelo de universidade, capaz de repensar sua metodologia de produção e circulação de saberes e de conviver com taxonomias cujos critérios lógicos são outros.
Não se trata, portanto, de somente indagar o que a instituição pode fazer por seus alunos indígenas, mas de saber o que eles podem fazer pela universidade, que ganha com a presença de representantes de outras culturas e de outras línguas, portadores de saberes e de formas diferentes de produzi-los.
A ciência aspira a universalidade, mas só é possível obter um conhecimento universal se houver diálogo entre saberes particulares. Esse diálogo é estimulado com a presença de indígenas nas salas de aula, nos laboratórios e nos corredores das universidades.
Alcindo Whera Tupã conversava com crianças e jovens. Quem sabe essa nova geração aprende a falar com as árvores, cuidando delas, não deixando que sejam assassinadas pelo fogo e pela ganância. Podem assim se encantar com o sagrado e eliminar o pesadelo de ter de pedir exame de DNA do Papá Tenondé.
Foto abaixo de Maria de Oliveira
P.S. Parte desse texto é reprodução de várias crônicas do Taquiprati, cujos links vão abaixo. Ver também o filme Kara’i Ha’egui Kunha Karai ‘Ete (Os verdadeiros líderes espirituais) do cineasta guarani Alberto Alvares, que conta a história de vida de Alcindo Moreira e de dona Rosa.
1. Nhe´ẽ Porã: a Palmatória e a Bíblia. 21 de abril de 2024 https://www.taquiprati.com.br/cronica/1740-nhee%E1%BA%BD-pora-a-palmatoria-e-a-biblia
2. Nhamandu baixou na UFF. 11 de junho de 2017 – https://www.taquiprati.com.br/cronica/1341-nhamandu-baixou-na-uff-
3. Assim na terra como no céu guarani. 08 de fevereiro de 2015. https://www.taquiprati.com.br/cronica/1128-assim-na-terra-como-no-ceu-guarani-en-espa
4. O pajé que fala com as árvores. 17 de abril de 2011. https://www.taquiprati.com.br/cronica/912-o-paje-que-fala-com-as-arvores
5. Maria fecha a porta que teu pai morreu. 16 de janeiro de 2011. https://www.taquiprati.com.br/cronica/899-maria-fecha-a-porta-que-teu-pai-morreu
6. Navegando pelo Marajó com pajés e capoeirista. 23 de setembro de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/119-navegando-pelo-marajo-com-pajes-e-capoeirista
7 . Zeneida, a pajé do Marajó. 15 de julho de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/129-zeneida-a-paje-do-marajo
8. Veja: os guarani e o uísque paraguaio. 08 de março de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/146-veja-os-guarani-e-o-uisque-paraguaio
9. Clodovil, o analfabeto: entre oralidade e escrita. 21 de janeiro de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/154-clodovil-o-analfabeto-entre-oralidade-e-escrita
Adiós al chamán que hablaba con los árboles
Texto: José R. Bessa Freire. Traducción: Consuelo Alfaro Lagorio
"La letra de Nhanderu está escrita en el cielo y en la naturaleza, pero tenemos que aprender a leerla". (Alcindo Moreira Wherá Tupã, 2015).
Tcheramoi Alcindo Moreira Wherá Tupã falleció este 14 de setiembre a la edad de 114 años. Líder en la defensa de la tierra y los derechos indígenas, difundió el conocimiento por el mundo de Nhanderu, como pude comprobar en nuestros viajes, uno en 2007, cuando acompañado por su hijo Geraldo, visitamos a la chamana Zeneida Lima en la isla de Marajó. Fui testigo del encuentro de los dos sabios: el líder religioso guaraní de Santa Catarina con la heredera del chamanismo caboclo de la Amazonía.
Otro evento fue durante la Semana de los Pueblos Indígenas, en 2011, en la PUC de Goiás, que organizó la mesa Diálogos Interculturales: Universidad y Sostenibilidad Indígena para discutir la ciencia, que circula en la universidad, y los conocimientos indígenas, que se transmiten oralmente, renovados y actualizados. Tratamos el mismo tema más tarde en el Museu do Índio (RJ).
Del 2003 al 2011 nos reunimos dos veces al año en el Curso Kuaa Mboé de Formación de Maestros Bilingües. Juntos enseñamos en la misma sala a 80 profesores de escuelas indígenas ubicadas en cinco estados (RS, PR, SC, RJ y ES). Wherá Tupã usaba el idioma guaraní y yo el portugués. Durante el descanso solía beber las sabias palabras de la pareja - él y doña Rosa. De esta manera, formamos lazos de amistad y cariño, hasta que me invitó a visitar su pueblo de nombre poético Brillo de Aguas Cristalinas (Yynn Moroti Wherá) en Biguaçu (SC).
En una de estas reuniones hablamos mucho. Por la noche soñé que mi padre era Nhanderu Tenondé, el Creador del mundo, pero no me reconocía como su hijo. Me desperté sudando, sudando bastante, decidido a pedir una prueba de ADN para comprobar si Nhanderu era realmente mi padre. La cuestión de la paternidad divina siempre surgió en el diálogo con mi amigo Wherá Tupã. Después de todo, ¿quién era este chamán guaraní que hacía que incluso un huérfano indefenso en su fe se sintiera hijo de Nhanderu?
Nacido en 1909, Wherá Tupá Alcindo Moreira celebró su 114 cumpleaños el 25 de enero de 2024. Casado con Poty-Dja Rosa Mariani Cavalheiro, con ella tuvo ocho hijos – cinco niñas y tres niños – y más de 50 nietos, tres docenas de bisnietos y varios tataranietos. Con un siglo de existencia, rebosante de salud y vitalidad, viajó por todo Brasil difundiendo conocimientos sobre el buen vivir.
Hilos de felicidad
Todos se preguntaban de dónde sacaba tanta fuerza y energía este hombre bajito, de piernas y brazos musculosos, cabello gris, ojos de extraordinario brillo.
- Llegué a los 100 años, porque fui educado como guaraní – dice. Aprendió a cuidar su cuerpo y su espíritu con igual atención. Se despertaba con los gallos, rezaba sus oraciones y, ya adulto, aconsejaba a los más jóvenes, iba al campo a sembrar maíz, frijol, yuca, camote y hortalizas, base de su alimentación sin sal ni azúcar.
Estaba seguro de que el secreto de su longevidad residía en el cariño familiar. “Nadie es feliz solo” – afirmó. De esta manera, a lo largo de su vida, tejió los hilos de la felicidad cotidiana, en convivencia con sus seres queridos, a través de su trabajo diario en el que realizaba ejercicios físicos y comía alimentos saludables.
El tcheramoi Wherá Tupã presidía los rituales en la Casa de Reza – “el Opy, un lugar para aprender la sabiduría de Nhanderu sobre la naturaleza del mundo y las personas”. Allí bautizó a los niños, guió y aconsejó a los jóvenes y se ocupó de la salud de todos, con la ayuda de Nhanderu, de quien recibió inspiración y con quien vivió en contacto permanente:
- ¿Enfermedad? No sé qué es esto. e mí. Me trato con las plantas que cultivo en el pueblo, no consulto médicos, sigo la sabiduría de mis abuelos.
Su sabiduría ancestral ingresó a la universidad en 2015. Con su ayuda, sus hijos Geraldo y Wanderlei Moreira realizaron una investigación en la Licenciatura Intercultural Indígena del Sur de la Mata Atlántica de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC), titulada “Calendario Cosmológico: los símbolos y las constelaciones en la visión guaraní”, del cual Wherá Tupã fue el principal “libro” consultado, constituyéndose en el verdadero tutor de la tesis. Como miembro del tribunal pude acompañarlo a él y a doña Rosa en la defensa de esta obra.
-Para ver la tierra, los guaraníes miran al cielo. Al leer el cielo, crean el calendario cosmológico llamado Apyka Miri, que cuenta el tiempo, marca el clima, la llegada de las lluvias, la hora de extracción de miel y siembra, la hora de cosecha y elaboración de artesanías, la duración de las mareas, la caza y pesca, todo en sintonía con Nhanderu Tenondé - el Padre Creador y Nhamandu - el Padre Sol. La astronomía y la religión sustentan la agricultura guaraní, que tiene los pies en la tierra y los ojos en el cielo.
La voz de los árboles
El sabio Wherá Tupã aprendió botánica con su padre, João Sabino Kauã, de quien recibió innumerables semillas. Plantar y cosechar son frutos de la observación sistemática, pero también constituyen expresiones máximas de religiosidad, trabajo colectivo compartido. Conoce las plantas, no sólo las del bosque atlántico.
En la isla de Marajó tuve el privilegio de adentrarme en el bosque con él y la chamana Zeneida Lima, cuando asistí a una clase de botánica. Allí, donde sólo vimos “árboles genéricos”, los dos sabios nombraron cada especie. En aquella ocasión, identificaran cada planta, después de olerla y tocarla con cuidado, de catalogarla, clasificarla, analizarla, reconociendo y elogiando sus propiedades medicinales y nutricionales.
Bajo la copa de un árbol, donde penetraba el sol, a tres metros de donde estaba yo junto al cineasta Amaro Júnior, que filmaba con una cámara japonesa, Wherá Tupã dijo:
- Los árboles hablan, somos nosotros los que hemos desaprendido y ya no sabemos escuchar lo que dicen.
Siempre disimulo mis emociones, buscando refugio en el humor.
- No escucho la voz del árbol– bromeé.
Wherá dijo:
- No lo escuchas porque estás lejos. Ven aquí cerca.
Fui:
- Todavía no escucho nada. ¿Qué dice el árbol?
- No oyes porque sólo oyes con los oídos, no oyes con los ojos. Observa las marcas de las uñas del animal, que son las letras de Nhanderu escritas en el cielo y en la naturaleza. Necesitas aprender a leer estas letras.
Vi las marcas de las uñas. Se trataba, si no recuerdo mal, del árbol de Jatobá, que registró el paso por el tronco de un roedor, cuyo nombre no recuerdo, media hora antes – según escuchó Wherá. Pero no pude leer el reloj del árbol. Wherá mostró la corteza herida con la resina aún fresca:
- "Todavía está fluyendo", dijo. “No hace mucho tiempo”.
Camino florido
Los árboles hablan y los guaraníes escuchan, porque para ellos toda la naturaleza es parte de la sociedad, no está separada de la cultura. Plantas, animales, accidentes geográficos, ríos, montañas, fenómenos meteorológicos están dotados de humanidad y conciencia.
- Esta tierra que pisamos es nuestra hermana, tiene vida, es persona, tiene alma.
Este es el arandu porã, el buen conocimiento que los guaraníes aportan a la academia y que comienza a formar parte de las bibliotecas en monografías, disertaciones, tesis y libros escritos por maestros y doctores, indígenas o no. Algunos fueron a escuchar a Wherá Tupã en su aldea.
Este es el caso de la tesis doctoral “Música guaraní y chamanismo” defendida en la Universidad de São Paulo (USP) por Deise Montardo, profesora de la Universidad Federal de Amazonas y del libro “El paseo bajo la luz, territorio Mbyá a la orilla del océano” de María Inês Ladeira, además de las investigaciones de Ana Lucia Notzold, Flávia Melo, Aguirre Neira, Ismênia Vieira, Helena Alpini y muchos otros de la UFSC.
Estos trabajos crearon un puente entre los guaraníes y la Universidad, confirmando la conclusión de Darell Posey:
“Si la ciencia moderna toma en serio el conocimiento indígena y lo incorpora a los programas de investigación y desarrollo, los indios serán valorados por lo que son: personas ingeniosas, inteligentes y prácticas, que han sobrevivido exitosamente durante miles de años…”
La botánica es un campo que los guaraníes dominan bien, especialmente las plantas medicinales. Venía gente de lejos para buscar Wherá Tupã, incluso gente no indígena. El tratamiento aplicado fue descrito por Diogo Oliveira, del Laboratorio de Etnobotánica del Centro de Ciencias Biológicas de la UFSC.
En la aldea de Biguaçu hay un sendero – el sendero escolar, llamado Tape Poty, que significa camino florido – donde fueron colocados carteles con los nombres de las plantas medicinales identificadas por Wherá Tupã.
- Pisas la medicina y no lo sabes - solía decir.
Universidad indígena
Este conocimiento fue durante siglos pisoteado y discriminado como si fuera resultado de culturas “primitivas” y un “obstáculo al progreso”, como señala Jorge Terena:
“Consideran la tradición viva como primitiva, porque no sigue el paradigma occidental. Así, las costumbres y tradiciones, si bien son aptas para la supervivencia, ya no son consideradas como una estrategia de futuro, porque son o están en el pasado. Todo lo que no está dentro del alcance de Occidente se considera del pasado, desarrollándose una noción desvirtuada en relación a los pueblos tradicionales, sobre su lugar en la historia”.
Hoy, el intercambio de conocimientos comienza a ser efectivo gracias a la presencia de los pueblos indígenas en la academia, lo que no sólo constituye una política de inclusión social, sino la posibilidad de construir otro modelo universitario, capaz de repensar su metodología de producción y circulación de conocimientos y de coexistir con taxonomías cuyos criterios lógicos son diferentes.
No se trata, por tanto, de preguntarse qué puede hacer la institución por sus estudiantes indígenas, sino de saber qué pueden hacer ellos por la universidad, que se beneficia con la presencia de representantes de otras culturas y otras lenguas, portadores de conocimientos y diferentes formas de producirlos.
La ciencia aspira a la universalidad, pero sólo es posible obtener conocimiento universal si hay diálogo entre conocimientos particulares. Este diálogo se fomenta con la presencia de indígenas en aulas, laboratorios, bibliotecas y pasillos universitarios.
Alcindo Whera Tupã conversó con niños y jóvenes a lo largo de su vida. Quien sabe, tal vez esta nueva generación aprenda a hablar con los árboles, a cuidarlos, a no dejar que el fuego y la codicia los asesinen. Así podrán deslumbrase con lo sagrado y eliminar la pesadilla de tener que pedirle una prueba de ADN a Papá Tenondé.
P.D. Parte de este texto es una reproducción de varias crónicas de Taquiprati, cuyos enlaces se encuentran a continuación. Vea también la película Kara’i Ha’egui Kunha Karai ‘Ete (Los verdaderos líderes espirituales) del cineasta guaraní Alberto Alvares, que cuenta la historia de vida de Alcindo Moreira y Doña Rosa.
1. Nhe´ẽ Porã: a Palmatória e a Bíblia. 21 de abril de 2024 https://www.taquiprati.com.br/cronica/1740-nhee%E1%BA%BD-pora-a-palmatoria-e-a-biblia
2. Nhamandu baixou na UFF. 11 de junho de 2017 – https://www.taquiprati.com.br/cronica/1341-nhamandu-baixou-na-uff-
3. Assim na terra como no céu guarani. 08 de fevereiro de 2015. https://www.taquiprati.com.br/cronica/1128-assim-na-terra-como-no-ceu-guarani-en-espa
4. O pajé que fala com as árvores. 17 de abril de 2011. https://www.taquiprati.com.br/cronica/912-o-paje-que-fala-com-as-arvores
5. Maria fecha a porta que teu pai morreu. 16 de janeiro de 2011. https://www.taquiprati.com.br/cronica/899-maria-fecha-a-porta-que-teu-pai-morreu
6. Navegando pelo Marajó com pajés e capoeirista. 23 de setembro de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/119-navegando-pelo-marajo-com-pajes-e-capoeirista
7 . Zeneida, a pajé do Marajó. 15 de julho de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/129-zeneida-a-paje-do-marajo
8. Veja: os guarani e o uísque paraguaio. 08 de março de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/146-veja-os-guarani-e-o-uisque-paraguaio
9. Clodovil, o analfabeto: entre oralidade e escrita. 21 de janeiro de 2007. https://www.taquiprati.com.br/cronica/154-clodovil-o-analfabeto-entre-oralidade-e-escrita