Supunhetemos que meu nome não seja José Ribamar Bessa, mas Joseph Oversea Too Much. Mudei de identidade. Matei o amazonense pobre do Beco da Bosta, lá do bairro de Aparecida e ressuscitei como um autêntico norte-americano nascido em Shit's Street de Appearanceville, Montana, EEUU. Então, com essa troca de nomes, tenho o meu ´eu´ duplicado, não sou ´eu´, mas ´eeuu´. Adoro basquete e beisebol, masco chiclete, corto o cabelo curtinho e uso sempre, por baixo da camisa, uma camiseta branca, tão indispensável para nós, gringos, como a cueca.
Joseph Ovearsea é ianque. Portanto, crê piamente na ciência americana. Começou a comer feijão diariamente, depois que cientistas de Harvard University comprovaram que o feijão equilibra a serotonina, combatendo a depressão, a inibição psíquica e a apatia. Também parou de soluçar, quando pesquisadores da Tennessee University escreveram o artigo “Interrupção das contrações espasmódicas do diafragma através da massagem retal digital”, provando, cientificamente, que a dedada (ou o medo dela) é santo remédio contra o soluço.
Além da ciência, Oversea se deslumbra com processos judiciais que ganham somas milionárias por danos físicos e morais. Invejou Francis Hirsch, um careca do condado de Suffolk, Boston, Massachusetts, que outro dia embolsou um milhão de dólares, porque o xerife o chamou de “pinto pelado” (naked chicken). E Tom Morissey? O baixinho de Oconomowoc, Wisconsin, faturou o dobro, por causa do apelido de ‘tamborete’ (stool), dado pelo dono de uma fazenda de búfalos. Metade da grana ficou para os advogados.
Virgem na zona
Essas coisas só acontecem na Memérica. Constato, porém, que embora seja eu um dependente físico e psíquico do feijão, meu organismo acaba de sofrer grave desequilíbrio hormonal de serotonina. Jandira Feghalli (PCdoB/ RJ), em cuja campanha entrei de cabeça, foi derrotada, o adversário Dornelles disparou milhares de telefonema jurando que ela era a favor de matança de crianças e do aborto e virou a eleição. Collor e Maluf também ganharam. Perdi a alegria e mergulhei em profunda depressão. Não tem feijoada que dê jeito. Quem vai pagar por isso? Com minha nova pele, decido - data vênia e oscamborum a quatrorum - abrir um processo por danos físicos e morais.
Fica a dúvida: a quem devo processar pela morte da minha alegria, do meu entusiasmo e da minha esperança? Começo pela minha casa. Cobro, em primeiro lugar, da banda podre do PT pelas lambanças e delitos cometidos: Waldomiro Diniz, mensalão, valerioduto sanguessugas, caseiro de Brasília, Vedoin, dossiê José Serra e aliança com barbalhos, newtoncardosos, renans e sarneys da vida. Na qualidade de fundador do PT nacional e do PT/Am, do qual fui presidente, me sinto traído pelo governo Lula.
Essa cobrança deve ser feita. Sempre. Incansavelmente. Em todos os lugares. Ela é necessária para o aperfeiçoamento da democracia. No entanto, fico com a pulga atrás da orelha, quando leio mensagens na Internet que desvirtuam a crítica, porque censuram os erros de Lula não para combatê-los, mas para pedir votos pro Geraldinho boca-de-cantor, como se o mesmo, que vive há anos na zona, fosse uma virgem pura e imaculada. Querem destruir um pecador, não o pecado.
Quão espertinhos são! Numa dura batalha, nós estamos combatendo os pecados do lado de cá, pagando um alto preço político e afetivo por isso. Mas eles não! Eles apagaram, rapidinho, os pecados do lado de lá: CPIs abafadas, processos engavetados, compra de votos para re-eleger FHC, Proer, precatórios, falcatruas na SUDAM, ajuda aos bancos Marka e FonteCidam, privatização de grandes empresas brasileiras vendidas a preço de banana para corporações privadas,etc. Nada disso existiu.
Do lado de lá, é verdade, há críticos honestos, que nos ajudam a exigir mudanças nas práticas políticas. Às vezes se equivocam, porque revelam erros do Lula, mas omitem seus acertos. Com eles, porém, a gente conversa, briga e compartilha o feijão. Mas do lado de lá há, também, quem só condena a corrupção quando é do adversário, como estratégia para recuperar o poder e voltar a cometer os mesmos desmandos. A esses, a gente receita o remédio anti-soluço da Universidade de Tennessee, com todos os seus enes, esses e ´ee´.
Boca-de-cantor
Se ninguém é infalível – nem Lula, nem FHC, nem Geraldinho Boca-de-Cantor – então não posso escolher um candidato baseado apenas nos erros do outro, como está ocorrendo com a guerra virtual na Internet. Agindo assim, a gente troca a busca da verdade por uma manifestação de fé, através de uma operação intelectual fraudulenta, renunciando a qualquer comparação válida dos erros e acertos de todos. Também não é o caso de fazer concurso para ver quem é mais corrupto e, então, votar no outro, o menos ladrão.
O que fazer? Um professor do Ginásio Amazonense nos anos 60, cônego Walter, dizia cinicamente que “a filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual a gente fica tal-e-qual”. O filósofo Renato Janine Ribeiro acaba de provar o contrário. Num artigo publicado na Folha de São Paulo, demonstrou que a filosofia ajuda a pensar: “Eleição não é luta do bem com o mal. É comparação. Voto em Lula, porque, a meu ver, seu governo melhorou o Brasil”.
Pronto. É isso aí. Erros e acertos. Lula acertou ao não vender empresas da nação brasileira para particulares, como foi feito no governo anterior com a Vale do Rio Doce, a Embratel, a Telebrás e a Usiminas. Já os princípios defendidos por Geraldinho boca-de-cantor permitem levá-lo a privatizar a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os Correios, as Universidades. Sem falar na Zona Franca de Manaus, que ele quer acabar.
Frei Beto, em sua “Carta aberta aos eleitores cristãos”, lembrou como Lula reforçou a soberania brasileira, repudiou a Alca proposta pelo governo Bush, condenou a invasão do Iraque, tratou corretamente a crise com a Bolívia, abriu as portas das universidades para negros e índios, levou energia elétrica às regiões mais distantes, reduziu os preços dos gêneros de primeira necessidade, ampliou o poder aquisitivo dos mais pobres. Por isso, seu governo tem aprovação da maioria.
Quando Lula sindicalista lutava contra a ditadura, Geraldo boca-de-cantor conspirava com a Opus-Dei. Uma leitora inteligente me diz que vai de Lula, mesmo se sentindo traída, porque se votasse no Alckmin, a traidora seria ela. Disse que escolheu não trair sua própria história e seus ideais, presentes na luta do povo brasileiro, nas greves do ABC, na luta dos trabalhadores rurais, dos sem-terra, das mulheres, dos negros, dos índios, dos estudantes.
Leon Trotsky escreveu um dia que existe enorme diferença entre o amigo que trai e o inimigo que bate. Lula não é meu inimigo. Estou brigando no mesmo campo que ele, reivindico os mesmos sonhos e a mesma história. Dele posso cobrar o que estou cobrando. Posso exigir coerência com sua biografia. E de Alckmin?
Oversea pode votar no Alckmin e até no Bush, mas Ribamar não. Esse dobrou a dose de feijão para recuperar a alegria e o entusiasmo, limpou e re-costurou a estrela vermelha, tirou sua bandeira do armário e saiu pra luta. Está em plena campanha.
P.S. – Acabei mudando o título original da crônica, que era "O Little Pônei de Tróia", uma ´homenagem´ ao Anthony Garotinho, o nosso pônei de Tróia, completamente oco, infiltrado nas hostes adversárias para aniquilá-las. Tudo bem, a Rosinha de Campos dos Goitacazes não tem a beleza e a inteligência da Helena de Tróia. Mas esse foi o pônei que encontramos. (Na realidade, temos dois pôneis de Tróia: um, nacional, que é o Garotinho. O outro, local, acabou com Amazonino Mendes).