CRÔNICAS

Berinho e a transfusão de sangue

Em: 12 de Novembro de 2006 Visualizações: 7916
Berinho e a transfusão de sangue

Os pobres podem invejá-lo, porque ele enriqueceu rapidamente, sem muito alarde. Os gozadores podem ridicularizá-lo, dizendo que ele tem a voz gasguita, a retórica empolada e o espírito oco. Os críticos podem até jurar que ele possui todos os defeitos do mundo, mas uma qualidade ninguém lhe pode tirar:  Robério Braga, o Berinho, atual secretário estadual de Cultura, é o político mais coerente que já surgiu em toda a história do Amazonas.

Digo, provo e comprovo, contando episódio ocorrido anteontem na abertura do 3º Amazonas Festival Film (atenção, sem o “e” na palavra filme). Primeiro, os convidados desfrutaram um “welcome drinks” no Business do Tropical Hotel (se pronuncia rótel). Depois, desfilaram por um tapete vermelho na entrada do Teatro Amazonas. Finalmente, foram todos jantar no Ideal Club (sem o “e”, Berinho se amarra no inglês).
 
O Ideal Club, em Manaus City, foi o palco da história que vou te narrar, destemido leitor.  O rega-bofe era boca livre. Os convidados se prepararam para encher a pança em comilança temperada pelo Village, tudo orquestrado por Berinho e patrocinado pelo contribuinte, com o apoio da Coca-Cola Light. Mas para isso, precisavam subir as empinadas escadarias do Ideal Club, que não tem elevador.
 
Acontece que o anfitrião, governador Eduardo Braga, não pode subir escadas. Durante a campanha eleitoral, ele caiu do palanque em um comício no alto Solimões, ficando com um problema sério no pé, que permanece até hoje engessado. Para se deslocar, está usando muletas. Sem condições de encarar aquela série infinita de degraus, o que fazer?
 
Berinho ofereceu imediatamente seus próprios ombros:
 
- Governador, eu carrego o senhor, de ‘macaquinho’, até lá o segundo andar.
 
Eduardo avaliou e recusou a oferta daquela cavalgadura, temendo outra queda. Ai Berinho se superou. Levou pra dentro do Ideal Club um elevador tipo plataforma. Foi assim, subindo numa empilhadeira, usada exclusivamente para aquela ocasião, que Eduardo chegou ao 2º andar. Juro por Deus! Se estiver mentindo, quero ver minha mãe mortinha no inferno! Quero que Santa Luzia me cegue!
 
Soy a favor
 
Esse episódio mostra a coerência de Robério. Ele faz qualquer coisa pra se manter no poder. Ele faz, vírgula! Ele fez e continua fazendo. Aí reside a sua coerência. Ganhou cargos de confiança e função gratificada em todos os governos, contrariando a máxima do anarquismo espanhol: “Hay gobierno? Soy a favor”. Berinho mantém fidelidade canina aos poderosos, não importando quem é o chefe ou partido.
 
Na época da ditadura, trabalhou com Paulo Nery. Serviu indistintamente aos governadores João Walter, Enoque Reis, Lindoso, Mestrinho, Vivaldo Frota, Amazonino e Eduardo Braga. Se o Herbert Amazonas, do PSOL, ganhar as eleições, pode contar com Berinho, cujo compromisso não é com pessoas, com idéias, com programas, com vergonha, com brio, com honra. É com o Poder, mais precisamente com cargos. Essa é sua coerência.
 
Um dia antes do rega-bofe no Ideal, Eduardo anunciou a substituição, no segundo mandato, daqueles secretários que estão há muito tempo na função. O mais antigo de todos é justamente Berinho, que está roendo o mesmo osso desde sempre. Entra governo, sai governo, sobe Partido, desce Partido, Berinho permanece. Não é um gênio?
 
A arte de puxar o saco não é para amadores, mas para profissionais. Berinho tem pós-doutorado nesse campo. Descobriu que Amazonino se considerava campeão de dominó. Por isso, deixava o Negão ganhar todas as partidas e fingia não ver as trapaças e os constantes ‘gatos’ do seu chefe. Uma vez, numa noitada de dominó, Berinho confidenciou:
 
- Governador, devo tudo o que sou na vida a duas pessoas. Uma é o senhor.
 
Fez-se silêncio. Curioso, Amazonino indagou:
 
- E a outra?
 
Berinho respondeu:
 
-Quem o senhor indicar, governador.
 
Sangue Novo
 
O governador anunciou que vai mudar os secretários nesse segundo mandato porque “a administração precisa de sangue novo”. Logo que soube, Berinho telefonou para o Hemoan e agendou uma transfusão de sangue. Se eu estiver mentindo, desta vez não quero que Santa Luzia me cegue, mas não me importo de ver minha sogra mortinha no inferno. Não mesmo!
 
Uma coisa eu sei: para não largar o osso, Berinho é capaz de sangrar. Esse eterno secretário de Cultura já está tão viciado com mordomias, verbas de representação, motorista particular, que não vive mais sem isso. Suspeito que sem cargo, ele é como um peixe fora da água: morre, na hora. Aquele que demiti-lo será acusado de homicídio.
 
Cauteloso, Robério ainda não entregou a carta-renúncia que o governador pediu de todos os secretários. Como não tem certeza se vai permanecer no cargo, apesar do golpe-de-mestre do elevador, Berinho já está ensaiando vôo do Governo do Estado para a Prefeitura. Alguns observadores notaram que ele anda batendo asas para Serafim Corrêa.
 
Berinho é tão coerente, mas tão coerente, que puxa saco até de quem já morreu, desde que seja poderoso. Ele andou cometendo artigos sobre história do Amazonas. Num deles, discute um assunto de maior relevância para a ciência: Manaus se escreve com “u” de ‘puxa’ ou Manáos, com “o” de ‘saco’? Nesse artigo, tece loas a vários governadores dos séculos XVIII e XIX, como Joaquim Tinoco, Coronel Salgado e Vitório da Costa.
 
Berinho acha que cultura é isso: pirotecnia. Organiza o Amazonas Film Festival, imita Hollywood estendendo um tapete vermelho em frente ao Teatro Amazonas para o desfile de atores globais, diretores e produtores, de quem finge ser amigo de infância para impressionar os otários, gasta uma senhora baba com fogos de artifício, coloca umas palavras em inglês e... viva a cultura!
 
A 11ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, no Rio de Janeiro, não desperdiçou tanta grana. Ela se encerra nesta quarta-feira, 15 de novembro, com a exibição do documentário – “Revivendo Cosme” – contando um pouco da vida de Cosme Alves Netto, um amazonense apaixonado pelo cinema, que morreu em 1996, com 59 anos, depois de dedicar sua vida para preservar a memória e o patrimônio cinematográfico brasileiro.
 
- "Su alegria por la vida y su fino sentido de humor estarán siempre presentes en el cine Latinoamericano por el cual tanto luchó"  escreveu o cineasta cubano Santiago Alvarez.
 
Cosme Alves Netto, ‘embaixador do cinema brasileiro’, foi homenageado nesse ano em várias mostras realizadas em Havana, Buenos Aires, Salvador (Ba), Rio Claro (SP) e Rio de Janeiro. Em Manaus, cidade onde nasceu, ficou de fora. É assim que Berinho gasta os recursos destinados à cultura: com tapetes, elevadores, banquetes, puxa-saquismo, bondinho de brincadeira, cosméticos, verniz e espetacularização.
 
P.S. – Eduardo, muda o secretário de cultura. O Berinho vai morrer, mas você sempre pode alegar “legítima defesa”. Nomeia alguém que saiba o que é cultura. Eu sei que um pedido meu funciona ao contrário. Então, eu solicito:
 
- Nomeia o Berinho, Eduardo. 
 

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