A população sofrida do Amazonas, para viver melhor, precisa de conhecimentos novos sobre a realidade em todas as áreas do saber. Uma delas é o campo da História. É preciso construir e atualizar a memória coletiva, revelar o seu espaço, desenvolver sua cultura, compreender o funcionamento de seu ecossistema, inventariar suas riquezas e planejar de forma racional o uso que delas se pode fazer. Para isso, necessita de pesquisadores academicamente competentes, sensíveis e comprometidos com os interesses populares.
No entanto, a atividade de pesquisa que gera conhecimentos não se improvisa. Nenhuma instituição começa a pesquisar do dia para a noite, como num passe de mágica. Requer investimentos. Faz-se necessário formar pesquisadores, o que demanda um certo tempo.
Nos últimos anos, a Universidade do Amazonas (UA) tem enviado seus professores para fazerem sua pós-graduação em diferentes centros do Brasil e até do exterior. Desta forma, trabalhos relevantes foram produzidos, em dissertações e teses, cobrindo os vários campos do conhecimento: medicina, engenharia, física, química, ciências sociais.
O Curso de História, por exemplo, começou a formar a primeira geração de pesquisadores em meados da década de 80. Dos alunos graduados, alguns dos quais se tornaram professores da própria UA, começaram a sair os primeiros mestres na década de 90.
No início do ano passado, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, houve a defesa da dissertação de mestrado “Os fios de Ariadne – tipologia de fortunas e hierarquias sociais em Manaus: 1840-1880”, elaborada por Patrícia Maria Melo Sampaio. Sua pesquisa foi aplaudida com entusiasmo pela orientadora Maria Yedda Linhares como uma contribuição original.
Agora foi a vez de Hideraldo Lima da Costa. Na semana passada ele apresentou a uma banca examinadora da PUC de São Paulo a sua pesquisa de mestrado “Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia. Discurso dos viajantes – século XIX. Orientado por Maria Antonieta Martines Antonacci, obteve a nota máxima, além dos elogios e do reconhecimento de seus examinadores, o que certamente contribui para a consolidação de uma imagem positiva da qualidade da UA.
No dia 5 de dezembro próximo, outro ex-aluno e atual professor da UA estará apresentando na USP os resultados de sua pesquisa sobre a resistência indígena no séc. XVIII, depois de haver localizado importante documentação em arquivos do Rio de Janeiro e do Pará. Trata-se de Francisco Jorge dos Santo, o próximo a obter o título de mestre, que escreveu “Guerras e rebeliões indígenas na Amazônia na época do Diretório Pombalino (1757-1798)”.
Todas essas pesquisas têm em comum o fato de procurarem partir de uma perspectiva da “história vista de baixo”, como foi muito bem explicitado por Hideraldo Costa, citando o texano Jim Sharpe, professor da Universidade de Massachusetts:
“Essa perspectiva atraiu de imediato aqueles historiadores ansiosos por ampliar os limites de sua disciplina, abrir novas áreas de pesquisa e, acima de tudo, explorar as experiências históricas daqueles homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente ignorada, tacitamente aceita ou mencionada apenas de passagem na principal corrente da história”.
Independente das críticas que se tem feito no plano teórico e das imprecisões conceituais – afinal, o que significa o termo “de baixo?” - essa concepção de história deu uma mexida na forma tradicional de construir narrativas baseadas exclusivamente em fontes oficiais, que enalteciam os “feitos gloriosos” daqueles considerados como “grandes homens”, deixando de lado as pessoas comuns. A Cabanagem no Pará não tem como protagonista maior Soares de Andréa, o Barão de Caçapava, que reprimiu o movimento, nem sequer Eduardo Angelim, seu líder, mas os índios, os tapuias, os mestiços, os ribeirinhos que viviam em cabanas à beira dos rios.
Por esse caminho estão transitando outros pesquisadores da UA: Geraldo Sá Peixoto Pinheiro e Vânia Tadros, ambos com pós-graduação em andamento na USP, o primeiro focando seu interesse sobre os jornais editados na Amazônia por imigrantes portugueses e a segunda registrando as relações interétnicas nos seringais.
Na PUC de São Paulo, Luís Balkar Pinheiro pesquisa os subterrâneos da Cabanagem, suas lutas e tensões; Maria Luísa Ugarte visibiliza as lutas operárias dos estivadores; Francisca Deusa Sena da Costa analisa a vida dos trabalhadores urbanos em Manaus e Luís Bitton a iconografia da região. Na UFF, Sinval Gonçalves registra a consolidação dos estudos medievais na Amazônia. Todos eles fazem parte da nova safra de graduandos da UA a serem titulados.
A caminho da Universidade do Porto, em Portugal, está outra professora, Márcia Eliane Alves, que busca entender a política indigenista e o papel dos missionários na Amazônia do séc. XVIII.
Desta forma, a UA vai pouco a pouco se transformando num centro de pesquisa. Espera-se que as conclusões desses trabalhos rompam os muros da academia e se incorporem ao sistema de ensino, trazendo-nos uma visão mais rica de nossa história.
P.S. – Texto publicado no jornal A Crítica de Manaus em 24 de novembro de 1995, digitado e postado no blog em março de 2020 com pequenas alteraçoes.
Referência bibliográfica: Sharpe, Jim: “A História vista de baixo”. In Burke, Peter (org) A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo. Unesp. 1992