Essa crônica dominical vai descrever, hoje, cenas patéticas e comoventes, com imagens extremamente fortes, que falam de tragédia, dor, sangue, pranto, ranger de dentes e muito sofrimento. Chechênia é café pequeno! Por essa razão, te aconselho, leitor (a), a proibir sua leitura a menores de idade. Os acontecimentos dramáticos, aqui narrados, só podem ser presenciados por pessoas com nervos de aço, que já viram a morte de perto sem chorar. Portanto, retira as crianças da sala, prepara teu coração pras coisas que eu vou contar, que eu venho lá de Eirunepé e posso não te agradar.
Tudo começou na última quarta-feira, dia oito de setembro. Uma de minhas nove irmãs – a Helena - comemorava seu aniversário num ambiente familiar, alegre e festivo. De repente, aconteceu uma grande desgraça. Sua filha Luciana, que havia ido buscar os resultados de uns exames laboratoriais, invadiu a casa aos prantos, com um envelope nas mãos. Estava descabelada, desesperada e berrava inconsolável:
- Ai, mãezinha! Deu positivo! O André está mesmo com bromidrose!
A notícia caiu como uma bomba, acabando com a festa. Fez-se um silêncio sepulcral. Helena ficou pálida como um defunto em final de velório. Embora não sendo hipocondríaca, ela suspeitava que uma doença, com um nome desse, destruiria a felicidade da sua filha, do André - que era, afinal, seu quase-genro - e dos seus futuros netos. Procurou imediatamente um parecer técnico. Entregou os resultados do exame para outra irmã ali presente, suplicando com um gemido, um fio de voz quase inaudível:
- Elisa, não me esconde nada. Quero saber tudo. É muito grave?
Bioquímica e farmacêutica de profissão, Elisa era ali, efetivamente, a única pessoa capaz de dar explicações. Pegou o papel no qual aparecia o logotipo do conceituado laboratório Eckner & Rubyrrol. Os olhares de toda a família se concentravam nela. Enquanto lia em silêncio o relatório de J. Eckner, suas mãos tremiam. No final, comentou em voz alta:
- Putitanga! É Bromidrose aguda! Nunca vi isso antes! As taxas do ácido butírico e do ácido valérico estão excessivamente altas, facilitando a ação devastadora de dois micróbios vorazes, o Brevibacteria linen e o Corybacteria JK.
Com isso, aumentou ainda mais a ansiedade de todas as outras irmãs, que cacarejaram, em coro:
- Fala em língua de gente.
Aí, a resposta veio fulminante, sem refresco:
- Lamento informar, mas o pé esquerdo desse menino está em grau avançado de putrefação. Conheço um caso relatado pelos jornais de um aluno que foi expulso da escola por causa dessa doença miserável. É um milagre que o pé direito também não esteja condenado. Até quando? Não sabemos. Recomendo exame de fezes, urgente, para verificar o nível dos feromônios.
A recomendação não era novidade pra ninguém. Diante de qualquer disfunção - pode ser até dor de garganta - Elisa sempre pede exame de fezes a seus pacientes. Dessa forma, ela acaba sempre descobrindo – com o perdão da palavra – alguma cagada deles. Por isso, passou a defender a tese de que o coco é um arquivo de dados da história de cada um.
- Mostra-me o teu coco e eu te direi quem és.
Para ela, toda a vida de um ser humano se condensa e se cristaliza em seus excrementos, capazes de revelar os segredos mais íntimos que não são confessados nem ao padre, nem ao psicanalista, nem à polícia, sob tortura.
- Maninho, merda fala. Basta apenas saber ouvi-la - ela me ensina, com um entusiasmo juvenil de quem tem ouvidos, mas carece de olfato. Daí eu concluo que se a delegada Graça Malheiros quebrasse o sigilo das latrinas dos corruptos indiciados pela Operação Albatroz, poderia descobrir o grau de sujeira de cada um deles. A bosta do Cordeirinho, por exemplo, denunciaria o caviar que ele comeu, o uísque que ele bebeu... Se comparada com a merda dos candidatos a prefeito e a vice, ficaríamos sabendo quem comeu junto com ele. Conclusão: não é o telefone que deve ser “grampeado”, mas o penico de cada um.
Desculpa, leitor! Tenho o maior orgulho de ser irmão da criadora da “teoria do bostômetro”, por isso acabei me dispersando. Voltando à vaca fria, onde é mesmo que eu estava? Ah, já sei! A festa foi interrompida. Minha sobrinha Luciana, debulhada em lágrimas, imaginava seu namorado André, com o pé esquerdo decepado pela bromidrose, pulando com a perna direita, como o saci-pererê. Em consequencia, a família mergulha em uma profunda crise e entra num processo galopante de desagregação. Quando uma família precisa de apoio e de orientação, o que é que ela deve fazer? Einh?
- Procurar o COAF. Não temos outra saída – propôs, autoritária, minha irmã Regina, do alto de suas tamancas. Na ausência da Glória, em viagem aos Estados Unidos, ela é a matriarca da família. Sua proposta, no entanto, causou enorme celeuma, todo mundo falando ao mesmo tempo.
A Preta, rebelde:
- COAF não! Prefiro perder meus dois pés.
A Maria do Céu, que não vê horário eleitoral gratuito:
- Que merda é essa de COAF?
A Elisa:
- Protesto. Chamar a COAF de merda ofende o meu objeto de estudo.
A Teca sugere oração em família. A Dile só fazia chorar. A Ana Paula, irmã da Lu, de quem tem ciúme doentio, garante que os pesquisadores do INPA descobririam uma vacina. A Celeste:
- Gente, bromidrose hoje tem cura, o doutor José Carlos Sardinha fez milagre com o Roney Sandro.
Enfim, ninguém se entendia mais. Nesse momento de crise, de depressão, de desolação, de confusão, quem é que entra para restabelecer a ordem e a paz? Quem? Tchan! Tchan!Tchan! Tchan!. Ele, o Negão, com um hiphop como música de fundo, rimando seu nome com destino, divino, pepino e suíno.
- Seu problemas acabaram – diz ele – porque como prefeito, assessorado pelas Organizações Tabajara, vou criar o Centro de Orientação e Amparo à Família (COAF). Uma assistente social, especialmente treinada, visitará a família do André. Depois disso, ele será encaminhado para uma equipe, composta entre outros especialistas, por um bromidrosólogo, que o curará.
O Negão, no seu horário eleitoral gratuito – ele se amarra no que é gratuito - faz o maior caqueado. Diz que o COAF vai solucionar as necessidades de todo mundo no campo da saúde, da educação, da assessoria jurídica, da higiene e da assistência social, orientando a família, a criança, a mulher e o idoso. Jura que vai construir vinte prédios, todos eles equipados, com farmácias e ambulâncias, funcionado 24 horas, nos principais bairros de Manaus, com um representante, em cada centro, de padres, pastores, evangélicos e até espíritas.
O horário eleitoral, em doze minutos, mostra a Luciana sorrindo de felicidade, vendo o André andando, sem mancar, da mesma forma que exibiu dona Socorro, sonhando com seu filho na creche.
O COAF vai amparar o André, assim como cuidará dos filhos drogados e dos maridos alcoólatras. Realmente, é uma palhaçada. O Negão, como qualquer camelô de meia-tigela, promete que vai curar droga, alcoolismo, bromidrose, chulé, frieira, mau-hálito, cecê, caspa e o cacete-a-quatro. Meias feitas de um tecido especial, que contém cloro, para matar as bactérias produtoras de chulé, serão distribuídas para todos os jovens, que usam tênis, pela prefeitura do Negão.
A propaganda eleitoral do Negão é puro dramalhão mexicano. Ele diz que vai fazer e acontecer, mas a pergunta é: quem acredita nisso, se ele ficou vinte anos no poder e não fez? Por que ele não criou o tal do COAF, quando era governador e tinha mais de 1 bilhão de reais em caixa?
Trata-se de uma agressão à inteligência da população de Manaus. É puro lero-lero. Para curar o chulé do André, não precisa gastar tanta grana com os COAFS da vida. Basta, ao contrário do sapo, lavar o pé. A prova é que a mãe do André sempre dizia: “Vê se lava esse pé direito, menino”. Ele lavou, por isso só o esquerdo fedia. Tudo isso demonstra que o papo do Negão não resiste a um simples exame de fezes.