No domingo passado, como se fosse um Fla x Flu, vesti minha camisa com o número 13 nas costas, costurei uma estrela vermelha no peito, enchi uma vasilha de pipoca e sentei, tenso, na frente da televisão, para ver o debate Lula x Alckmin. No final, fiquei doente. Descobri que meu sistema imunológico estava desprotegido. Por isso, resolvi me vacinar. Conto como foi para que o leitor, se assim quiser, também possa tomar a mesma vacina.
Durante o debate na Band, achei Alckmin podre, grosseiro e demagogo. Era o filhinho de papai, mimado, repetindo lição decorada. Julguei que Lula se saiu muito bem. Mas comecei a duvidar logo que terminou, porque os comentaristas, nos estúdios da TV, pontificaram: “Alckmin ganhou”. Um deles falou: “Se fosse boxe, diria que o Geraldo nocauteou o Lula”. Pensei: “Será que sou parcial? Meu voto em Lula me cegou? Ou o debate que vi foi outro?”
No dia seguinte, abro os jornais. Um grito quase unânime explodia nas manchetes: “Alckmin deu um banho”. O Estadão, de forma contundente, não emitiu apenas opinião. Não! Usou uma fita métrica especial que serve para medir vitórias em debate. Graças a isso, sua opinião se transformou em fato indiscutível, como no futebol, onde contamos os gols para sabermos, matematicamente, quem ganhou o jogo. As manchetes, triunfantes, berravam a plenos pulmões a verdade irretorquível: “Nós 10 x Lula 0”.
O jornal não tomou sequer um prudente distanciamento. O “Nós Futebol Clube” era Alckmin e o Estadão, unha-e-carne, derrotando, juntos, o torneiro-mecânico. Com raras exceções, os demais órgãos de imprensa agiram da mesma forma. Um levantamento que circulou pela Internet mostra que Lula foi alvo de 257 matérias negativas nos maiores jornais do país, enquanto Alckmin foi objeto de apenas 17 referências contrárias. Tudo isso com objetivo de interferir no julgamento do (e) leitor. Conseguiu?
Debatite aguda
Sim e Não. Dias depois, a pesquisa Datafolha fez duas perguntas aos eleitores. A primeira:
Quem ganhou o debate?
A maioria respondeu aquilo que a mídia lhe havia ensinado:
-O Alckmin.
A segunda:
- Em quem você vai votar?
A maioria não duvidou:
- No Lula.
Dessa forma, Lula ampliou de 7 para 11 pontos a vantagem sobre o seu adversário.
Acontece que muitas pessoas já estão vacinadas contra a debatite aguda, uma doença que fragiliza a capacidade própria de julgar e avaliar e delega esse julgamento a terceiros, o que pode permitir a transferência de votos de um debatedor para o outro, se o cabra não for vacinado. Se for, ele diz: “Tudo bem. Reconheço. A mídia tem poderes de júri de debate, mas meu voto quem decide sou”.
O Laboratório Taquiprati & Voicipourtoi pesquisou esse fenômeno para entender como se produz essa doença – a debatite - causada pelos micro-organismos da mídia. Descobriu que um debate não se esgota nele mesmo, mas se prolonga com a análise dos entendidos, dos especialistas e dos que falam latinorum. A partir daí, desenvolveu uma vacina que protege quem assiste aos debates, fortalecendo seu sistema imunológico.
A vacina, administrada por via injetável, oral, sub-cutânea ou supositorialmente, se baseia na leitura do trabalho de um filósofo alemão, Arthur Schopenhauer (1788-1860), intitulado “El Arte de tener razón, expuesto en 38 estratagemas”, que foi editado em Madri, em 1996, com comentários de Dionísio Garzón.
Neste livro, Schopenhauer apresenta 38 artifícios usados comumente por pessoas que querem ganhar uma discussão a qualquer custo, no grito, sem se preocupar com a busca da verdade nem com as provas do que afirmam. Cometem, para isso, qualquer tipo de bandalheira intelectual, de pequenos truques, de argumentações falsas, de falácias lógicas, de embustes maliciosos, de bravatas desleais. É a arte de enganar.
A leitura de Schopenhauer, combinada com observações sobre o debate de domingo na Band, nos permite concluir que Geraldo Alckmin usou todos os 38 tipos de argumentação desonesta, mas Lula também lançou mão de alguns, comprovando que o debate entre ambos não buscou respostas para os problemas do país.
Patifaria intelectual
É muito mais fácil argumentar contra um corrupto do que contra um cidadão honesto, contra um analfabeto do que contra um intelectual. Por isso, Alckmin, em vez de discutir o Brasil, em vez de comparar programas de governo, tentou enfraquecer Lula, responsabilizando-o por todas as irregularidades e crimes cometidos por seus aliados ou subordinados. Escondeu, evidentemente, as próprias falcatruas.
Esse é o oitavo truque malicioso identificado por Schopenhauer: tratar o adversário com insolência, acusá-lo injustamente, sem provas, só para provocá-lo, para impedi-lo de raciocinar corretamente. Alckmin sabe que Lula não é nem ladrão, nem analfabeto, mas fez insinuações contundentes porque seu objetivo não era provar nada, mas ganhar o debate a qualquer preço, confundindo o público, de tal forma que o falso parecesse verdadeiro.
Alckmin não hesitou em lançar mão do estratagema nº 38, denominado por Schopenhauer de ´argumentum ad personam´, ou seja, quando você percebe que o adversário é superior, tem mais argumentos, deve desviar a discussão do tema principal partindo para a ofensa pessoal, concentrando o ataque na pessoa do adversário.
Outros golpes descritos por Schopenhauer foram usados por Alckmin, como a falsa alegação de ´petitio principii´, que consiste em dar implicitamente por demonstrado aquilo mesmo que se pretende demonstrar (“ou o Lula responde de onde saiu o dinheiro, ou ele é culpado”).
Alckmin usou ainda truques maliciosos como a ´ampliação indevida´, generalizando afirmações do adversário para além de seus limites, ou a ´falsa proclamação de vitória´ (“Você não respondeu minha pergunta´), apresentando o discurso de Lula como prova daquilo que não é prova.
Depois de estudar as diferentes formas de argumentação desonesta, Schopenhauer, escreveu que todos esses artifícios lhe provocavam náuseas:
“É preciso diferenciar, de forma muito clara, de um lado a procura da verdade, e de outro a arte de fazer com que nosso discurso seja aceito como verdade”.
P.S 1. – Ficamos assim combinados. Nós e a mídia reconhecemos que o Alckmin vai ganhar todos os debates, mas nós, vacinados, votamos em Lula.
P.S 2. – Acho que é muito sadio que todo jornalista, com coluna, diga em quem vai votar, para permitir que o leitor se defenda. Eu voto em Lula. Te defende, leitor (a).
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