Are baba! Sei que não é nada auspicioso fazer tal pergunta, mas assim mesmo corro o risco e indago: diga lá, meu mano, quem com ferro fere, com ferro será ferrado? Parece que sim, se nos espelharmos no que aconteceu com os Irmãos Coragem. Quem são eles? Personagens de novela? Vou contar-lhes essa história edificante.
Lembro para aqueles eventuais leitores que não vivem em Manaus e estão pegando o bonde andando que os Irmãos Coragem são três celebridades municipais: Carlos Souza, Wallace Souza e Fausto Souza. Os três receberam esse apelido, por causa de um programa de televisão – o ‘Canal Livre’. Lá, eles montavam um show, espetacularizando os delitos cometidos na capital amazonense.
“Bandido bom é bandido morto” – vociferavam os Irmãos Coragem, que com o apoio da estrutura do governo e da polícia filmavam pessoas presas nas madrugadas, às vezes marginais ou não, às vezes criminosos ou não, mas sempre pobres e lascados. A coragem dos irmãos nunca foi direcionada contra bandidos endinheirados, de colarinho branco, contra o grande traficante. Era sempre contra o ladrão de galinha, o pé-rapado, o ‘aviãozinho’ que, culpado ou não, confessava crimes depois de muita porrada e tortura.
“Direitos Humanos é o cacete” – berravam os Irmãos Souza, quando as pessoas sadias reclamavam de suas barbaridades. Eles entravam nas prisões, filmavam as pessoas, interrogavam, julgavam e condenavam sem direito à defesa. O objetivo não era buscar justiça para o delinqüente pagar pelo delito praticado. “Bandido só tem dois destinos: cadeia ou cemitério” – diziam segundo me informou o repórter Tambaqui, que viu alguns programas por dever de ofício.
Carlos e Wallace são do ramo, conhecem a linguagem televisiva, possuem certo talento histriônico e um discurso articulado para explorar o sentimento de insegurança que domina a população da cidade, tanto os pobres como a classe média. Já o terceiro irmão, Fausto, esse comeu caroço de tucumã, o que apagou definitivamente as lamparinas de seu cérebro. Tik, tik.
Canal Livre
O Programa dos Souza – comenta o repórter Tambaqui – tinha vários personagens: a função de um deles, um boneco chamado Galerito, era debochar dos presos, humilhando-os e retirando deles qualquer resquício de humanidade. Os Souza não admitiam a menor possibilidade de recuperação do preso, independente do tipo de delito. Confesso que não tive o desprazer de assistir o lixo do dito ‘Canal Livre’.
Dessa forma, os irmãos Souza, constituíam a própria imagem da probidade, da honestidade, da justiça. Exacerbavam o ódio contra marginais, mas nunca contribuíram com uma reflexão para ENTENDER efetivamente o que está ocorrendo na sociedade, por que tanta violência e roubo. Não ajudaram o telespectador a refletir, sobre a bandidagem, mas sim a acumular ódio, a explorar sentimentos primários e desejos de vingança.
Nesse sentido era um programa deseducativo. No entanto, tal estratégia rendeu dividendos eleitorais junto ao público assim deseducado. Carlos Souza (PP – vixe, vixe!) se elegeu vice-prefeito de Manaus, contribuindo para a eleição de Amazonino Mendes, nas circunstâncias que todos nós sabemos e a Justiça está apurando. Wallace foi o deputado mais votado. E até mesmo Fausto se tornou vereador de Manaus, ele que quase não fala e é o Obina da família Souza: ruim de tv, mas às vezes faz gol.
A Justiça Divina tardou, mas não falhou. Toda Manaus viu. O ex-policial militar Moacir Jorge da Costa, o Moa, preso em flagrante no final do ano passado, portando drogas e armas, confessou ter testemunhado uma série de crimes praticados a mando do deputado Wallace e de seu filho Rafael, acusando-os de comandarem uma organização criminosa, responsável por prática de extorsão, assassinato, tráfico de drogas e de armas.
A Polícia Civil do Amazonas apreendeu, então, grande quantidade de dinheiro (R$250 mil e US$ 15 mil) e munições na casa do deputado Wallace. Seu filho, Raphael, assumiu a autoria e foi preso. Está desde o dia 20 de maio no Batalhão de Choque da Polícia Militar. Foi encontrada em poder desse jovem precoce uma senha do sistema de segurança – o Infoseg – por meio do qual ele tinha acesso ao que ocorria na polícia.
O auto dos compadecidos
O Secretário Executivo de Segurança do Amazonas, Tomaz Vasconcellos, vulgo Totó - que tem aquela cara de nerd, mas dá nó em pingo d´água - descobriu tudo (menos, é claro, quem cometeu o atentado à bala contra o prédio do Diário do Amazonas, que até hoje permanece um grande mistério). Está botando no toco.
Os Souza, então, se descabelaram, transformando-se em Irmãos Kagaço. O vice-prefeito, que se internou numa clínica para retirar um furúnculo, choramingou dizendo que a mídia está prejulgando sua família, que seus irmãos e sobrinho estão tendo sua privacidade invadida, que estão sendo execrados, enfim está se queixando de que estão fazendo com eles o que eles faziam com os outros. Descobriu, finalmente, que pimenta no fiofó dos outros é refresco, que fuzilamento sumário é barbárie.
O Ministério Público do Estado (MPE) enviou à Assembléia Legislativa um dossiê de 700 páginas que apontam fortes indícios da participação de Wallace no crime organizado: corrupção de menores, coação de testemunhas, improbidade administrativa e proteção a assassinos. O deputado ameaçou se atirar no rio Ganges, digo Amazonas, ou pendurar uma pedra no pescoço e se jogar num poço, digo numa cacimba.
Compadecido, o presidente da Assembléia Legislativa, o Belão, o Big Beautiful – aquele cabocão descedendente de alemão que odeia índios – disse anteontem que não vai abrir processo disciplinar para investigar a conduta do deputado Wallace Souza, porque precisa de mais dados. Já que tais dados só podem ser obtidos com uma investigação, que ele se recusa a fazer, então nunca haverá investigação para avaliar se um de seus membros é ou não o comandante do crime organizado em Manaus.
Fica, portanto, a pergunta nada auspiciosa: quem com ferro fere, com ferro será ferrado? Assista aos próximos capítulos da emocionante novela ‘O Auto dos Compadecidos’.
P.S. – Com o massacre, na Amazônia peruana, de dezenas de índios que defendiam suas terras, o presidente do Peru, Alan Garcia ganha o troféu de assassino-genocida do ano.