CRÔNICAS

O general francês que deu aulas de tortura no Brasil

Em: 09 de Setembro de 2012 Visualizações: 32146
O general francês que deu aulas de tortura no Brasil
 

(Enviado de Paris) Acabo de ler o último livro que o general francês Paul Aussaresses escreveu: "Eu não contei tudo. Últimas revelações a serviço da França" (Je n'ai pas tout dit. Ultimes révélations au service de la France, Editions du Rocher, 2008). Depois disso, tentei entrevistá-lo, sem sucesso, através de contato com Jean-Philippe Bertrand, assessor de comunicação da editora. Soube que o general está com 94 anos, quase cego, e que não mora em Paris, reside na Alsácia. Mas não dá entrevistas.
 
Nos últimos anos, ele concedeu, pelo menos, duas entrevistas polêmicas: uma ao Le Monde, em novembro de 2000; outra, publicada pela Folha de São Paulo, em maio de 2008, feita pela jornalista brasileira Leneide Duarte-Plon, que vive na França. Paul Aussaresses falou com ela e deu sua opinião sobre os militares brasileiros. Disse que o general Ernesto Geisel era "uma homem racional de uma profunda moralidade", que o general João Figueiredo era "um adorável sedutor" e que guardou boas lembranças do general Garrastazu Médici, a quem conheceu na embaixada da França e com quem conversou em português.
 
Tentei arrancar agora uma entrevista para o Diário do Amazonas, consciente de que seria difícil. Diante da impossibilidade, só me resta compartilhar com o leitor minhas impressões sobre o livro que li, onde o general conta suas andanças pelo Brasil, suas atividades como adido cultural da França em Brasília de 1973 a 1975, e suas muitas passagens por Manaus, onde foi professor de tortura no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).
 
Um predestinado
 
Logo no primeiro capítulo, Paul Aussaresses revela que sempre foi um babaca, desde que nasceu. Quer dizer, ele não diz que era babaca, é claro, sou eu que estou dizendo pelas coisas que ele narrou. Ele conta, por exemplo, que na sua infância, em Paris, olhava de sua janela os soldados desfilando no Campo de Marte e ficava fascinado:
 
- Eu dizia a mim mesmo: quando eu crescer, vou ser militar. Minha querida avó, em cuja casa meus pais me deixavam muitas vezes, me olhava e dizia orgulhosa: "Cadê o generalzinho da vovó"?
 
Na família, todo mundo dizia que minhas primeiras palavras foram: "Posição, sentido! Avançar!". Mas eu não amava apenas os desfiles militares e a música marcial. Era eu um predestinado?
 
Paul Aussaresses cresceu, se tornou militar e atuou no Serviço de Documentação Exterior e de Contra-Espionagem (SDECE). Participou da guerra da Indochina. Confessa, na maior cara de pau, que este órgão do governo francês decidiu montar uma rede para o tráfico de ópio:
 
- "Nós comprávamos ópio no Laos por 14 centavos o grama e revendíamos aos intermediários por 18 francos. Esse tráfico rendeu muito à República Francesa e dessa forma nós pudemos financiar atividades de repressão".
 
Chefe do Batalhão de Paraquedistas francês, além de combater na Indochina, lutou na Segunda Guerra Mundial e recebeu a medalha de herói. Foi um dos responsáveis pela sistematização da tortura durante a guerra da Argélia, instrutor das forças especiais norteamericanas em Fort Bragg, e se distinguiu nos anos 1970 como professor de tortura no CIGS, em Manaus, criado pelo marechal Castelo Branco no início da ditadura militar, em 1964. Teve alunos brasileiros, chilenos, argentinos, uruguaios e paraguaios, entre outros.

 Sem arrependimento

Vale a pena reproduzir aqui alguns trechos do livro. O jornalista Jean-Charles Deniau, autor da entrevista, que deu origem ao livro do general, lhe pergunta:
 
- Você ia com muita frequência a Manaus?
 
- Sim, ia todos os meses.
 
- O que você ia fazer lá?
 
- Manobras com os alunos e estagiários do CIGS.
 
- Mas você não ia para o coração da floresta apenas para realizar manobras...
 
- Não. Os brasileiros me confiaram outras tarefas. Meu programa consistia em ensinar aos alunos a guerra contra-revolucionária. Para ser bem claro: eu ensinava as técnicas da batalha da Argélia.
 
- E em relação à tortura, como é que acontecia?
 
- A gente ensinava as técnicas, ensinava como se devia fazer.
 
-  O ensino da tortura era, então, apenas teórico? Ou havia aulas práticas?
 
- Havia aulas práticas.
 
- Na realidade, vocês formavam torturadores brasileiros que, por sua vez, exportavam a técnica para outros países da América Latina?
 
- Sim. Confirma. Exato. Positivo.
 
O general francês conta que quando foi adido militar, o general João Figueiredo era chefe do SNI e com ele construiu uma sólida amizade, assim como com o delegado Sérgio Fleury. Narra que quando estava em Manaus foi chamado às pressas à Brasília por Figueiredo, que o levou ao porão de um prédio onde uma mulher presa, de nome Eva, com quem o francês havia tido um caso, estava sendo torturada. Ela morreu sob tortura. Segundo Figueiredo, era uma espiã.
 
O professor de tortura francês faz uma apologia da violência cometida contra presos indefesos, justificando: "A tortura é eficaz, a maior parte das pessoas não aguenta e fala mesmo. Depois, quase sempre, nós os matávamos.  Por acaso isso me trouxe problemas de consciência? Não, essa é que é a verdade: não".
 
Na entrevista a Leneide Duarte-Plon, ele havia declarado:
 
- "Não me arrependo de nada. E recusei uma proposta que me foi feita no tribunal, quando fui acusado de fazer a apologia da tortura, o que não é verdade. Meu advogado e meu editor me propuseram declarar que eu me arrependia do que fizera e do que escrevera. Não posso, não me arrependo, eu seria desprezado por minha mulher.
 
Enfim, o general francês Paul Aussaresses, no seu livro, demonstra que é - usando a linguagem do "p" - um grande fipilhopo daputapa, casado com alguém da mesma estirpe.

 P.S. Ilustrações do meu parceirinho Fernando Assaz Atroz - assazatroz.blogspot.fr

Comente esta crônica



Serviço integrado ao Gravatar.com para exibir sua foto (avatar).

21 Comentário(s)

Avatar
Leticia comentou:
19/05/2013
Eu não sei se chamaria de filho da puta um indivíduo como este... a crueldade e a falta de empatia com a dor de outro ser humano são apavorantes... um grande mistério da natureza... e as putas não têm definitivamente nada a ver com isto... em geral são homens né?
Comentar em resposta a Leticia
Avatar
edson m leal comentou:
04/11/2012
O pessoal,essa reportagem do Bessa,sobre esse frances não devia shocar tanto assim não. Sempre houve tortura em guerras.O Brasil e nem a França não inventaram nada. A tortura já existe a milênios. É horrível? É sim. Mas ,infelizmente,é comum e esperado. Será que ninguém lembra que os castigos dos senhores fasendeiros, dos séculos 16,17,18,19 eram formas de tortura? E a lei da chibata nas marinhas do mundo ocidental no sec. passado; tortura! E como estamos num mundo globalisado,pelo menos nas ditatduras, importamos professor de tortura. Este artfício já era usado por imperadores chineses que torturavam, pessoalmente, suas vítimas com requintes de crueldade isso a 3000 atrás. A primeira intenção era descobrir pontos de maior sensiblilidade, com o intuito de serem mais eficases. Infelismente nós, humanos, somos assim; cruéis e hipócritas.
Comentar em resposta a edson m leal
Avatar
José Antonio Simões Filho comentou:
14/09/2012
Pois é. Seria ótimo para nós se os discípulos brasileiros deste senhor fizessem o mesmo e revelassem o prazer e a sensação de "dever cumprido" que sentiam ao executar as práticas aprendidas. Seríamos, no mínimo, poupados da hipocrisia da mídia que tanto os apoiou, na época, e que agora tanto protestam contra as atitudes "revanchistas" que pretendem revelar as arbitrariedades e horrores dos porões da ditadura.
Comentar em resposta a José Antonio Simões Filho
Avatar
Dary Apolinário comentou:
13/09/2012
Esse cara é um lixo! Assim como todos que apoiaram a Ditadura Assassina no Brasil da Republiqueta dos Generais!
Comentar em resposta a Dary Apolinário
Avatar
Jordana Ribeiro de Ávila (portalrogerioferreira.ning.com) comentou:
13/09/2012
"A ação conhecida como esculacho visa denunciar ex-agentes que participaram direta ou indiretamente da ditadura militar brasileira e demonstrar que continuam levando suas vidas normalmente, sem que tenham passado por algum processo de julgamento sobre seus atos." LEVANTE PELA MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA!
Comentar em resposta a Jordana Ribeiro de Ávila (portalrogerioferreira.ning.com)
Avatar
Felipe Fialho Neto (blog da Amazonia) comentou:
12/09/2012
Esse general francês quando morrer merece ir para os quintos do inferno!
Comentar em resposta a Felipe Fialho Neto (blog da Amazonia)
Avatar
Nubia Ordalia de Mello (Blog da Amazonia) comentou:
12/09/2012
E tem alguns que acham bom... (seja por desconhecer seja por ansiedade em resolver os problemas. Se hoje tivesse outra, seria muito pior que o nazismo, já que a humanidade dispõe de outras técnicas mais ferozes e agressivas...
Comentar em resposta a Nubia Ordalia de Mello (Blog da Amazonia)
Avatar
mauro oliveira (Blog da amazonia) comentou:
12/09/2012
Talvez o general francês estivesse certo. Talvez, para enfrentar guerrilheiros comunistas torturadores e sanguinários, só agindo como eles. Talvez o general francês estivesse certo. Em Cuba, o ditador sanguinário Fidel matou 17.000 pessoas e torturou centenas de milhares e continua no poder e sendo adulado por grande parte da esquerda.
Comentar em resposta a mauro oliveira (Blog da amazonia)
Avatar
Paulo Bento Bandarra(Blog da Amazonia) comentou:
12/09/2012
Mas e os da esquerda que fizeram o mesmo, ou pior, explodindo inocentes com bombas em trens e nas ruas, se arrependeram? Cesare Battisti se arrependeu alguma fez pelas mortes que praticou? Stalin alguma vez fez o mea culpa, ou Pol Pot assumiu a sua, antes de ser preso? Fidel alguma vez se arrependeu dos que mandou matar sem julgamento? E Hugo Chavez, pediu perdão pelos mortos na sua frustrada tentativa de tomar o poder pelas armas? Pior, por estes crimes, o Brasil ainda indenizou os assassinos e terroristas como se fossem vítimas. Dois pesos, duas medidas????
Comentar em resposta a Paulo Bento Bandarra(Blog da Amazonia)
Respostas:
Avatar
Democracia Duradoura comentou:
13/03/2020
Filhos da puta como vc nunca vão entender o que é hunanidade e ética. E que agentes do estado pagos com dinheiro público dos impostos pagos por TODOS (capitalistas e até comunistas) não podem usar seus conhecimentos e armas adquiridos com dinheiro público para dar um golpe de estado e matar e torturar seja por qual motivo for! E nem vem com esse mimimi mentiroso de que a esquerda pretendua dar um golpe, pois a luta armada da esquerda no Brasil só começou quando os militares tomaram o poder pela força. E o mais desmoralizante é que para eles FHC, Dilma e Lula eram "comunistas" e pretendia dar um golpe mas todos eles foram presidentes do Brasil tiveram a caneta e a força nas mãos e nunca deram golpe algum e nem mesmo implantaram o comunismo no Brasil.
Comentar em resposta a Democracia Duradoura
Avatar
Pierre Oscar Levy comentou:
11/09/2012
La technique de la torture améliorée pendant la guerre d'Algérie a été enseigné par des militaires Français. Le Général Paul Aussaresses qui avait été résistant contre le nazisme pendant la deuxième guerre mondiale, a été l'un de ses "pratiquants" et "professeurs" . Il l'a décrit dans un livre et a été e
Comentar em resposta a Pierre Oscar Levy
Avatar
Rosil Velmont comentou:
11/09/2012
É pavoroso pensar que tem gente desse tipo andando disfarçada, por aí...
Comentar em resposta a Rosil Velmont
Avatar
André Ricardo Costa comentou:
11/09/2012
Isso mostra o quanto há de intervenção de potências em todos os países... José Dirceu e Genoino, por exemplo, tiveram aulas de guerrilha em Cuba e até hoje não tem problemas na consciência... Dirceu, aliás, está cada vez mais convicto da sua inocência... Se as aulas em Cuba tivessem sido melhor ministradas que as aulas do senil francês teríamos uma ditadura que teria matado não umas 6 centenas, mas umas dezenas de milhões de pessoas...
Comentar em resposta a André Ricardo Costa
Respostas:
Avatar
Austregesilo Fernandes comentou:
11/09/2012
se, se, se, se o dirceu que treinou em cuba, se, se, se, se a porca tivesse uma carreira de peitos seria vaca, meu caro Andre. Voce é muito curto de ideias, meu amigo. Nós nao estamos falando do que poderia ter acontecido, mas do que aconteceu. A Tortura foi praticada pela ditadura militar brasileira, que tomou o poder à força, rasgou a constituicao e cometeu arbitrariedades, pisoteando os direitos humanos. Se o Dirceu ou qualquer outro FDP fizesse isso, todos nós cairiamos de pau em cima deles, mas eles nao fizeram, meu caro, quem fez foram eles, os militares, eu quase diria, Andre, quem fez foram voces. André, você é milico? Nao me leve a mal, mas voce "raciocina" como um milico.
Comentar em resposta a Austregesilo Fernandes
Avatar
Paulo Bezerra comentou:
11/09/2012
Não é à-toa que este pulha fez uma “brilhante” carreira militar. Quantas condecorações com medalha de “honra ao mérito” não terá recebido?
Comentar em resposta a Paulo Bezerra
Avatar
Ana Silva comentou:
10/09/2012
Depoimentos fortes que certamente nos causam repulsa!! ´Você descreveu muito bem esse general, "um grande fipilhopo daputapa". Excelente crônica.
Comentar em resposta a Ana Silva
Avatar
Vania Tadros comentou:
10/09/2012
VISTES DO QUE O MANOEL BESSA TE LIVROU, BABÁ? E A GENTE NEM SABIA QUE HAVIA AULA DE TORTURA REQUINTADA EM MANAUS. ESSE FRANCÊS É UM DEMENTE. CREDO!
Comentar em resposta a Vania Tadros
Avatar
Marina Correia comentou:
10/09/2012
Tem que ter estômago pra ler o livro de uma figura dessas, professor. Tem que ter estômago!
Comentar em resposta a Marina Correia
Respostas:
Avatar
Claudia Vianna comentou:
11/09/2012
É... o estômago luta com a memória.
Comentar em resposta a Claudia Vianna
Avatar
Karla Godou comentou:
10/09/2012
E olha que tenho ouvido gente com um discurso muitíssimo semelhante...
Comentar em resposta a Karla Godou