CRÔNICAS

Procura-se um senador: Di Carli, o "De Cujus"

Em: 17 de Dezembro de 1986 Visualizações: 10363
Procura-se um senador: Di Carli, o "De Cujus"

.É isso mesmo: procura-se um senador. Vivo ou morto? Vivíssimo. Recompensa: dá-se a quem encontrá-lo três urnas de Iranduba e duas de Boa Vista de Ramos.

Há dias, o jornal A CRÍTICA publicou, na terceira página, um edital que o leitor leu com a maior atenção. Traz no cabeçalho, em letras grandes:

PODER JUDICIÁRIO. JUÍZO DE DIREITO DA 7ª VARA CÍVEL E ACIDENTES DO TRABALHO.

Depois de colocar em negrito: "Edital de Intimação com prazo de 15 dias", vem o seguinte texto:

"Pelo presente, fica devidamente intimado o sr. CARLOS ALBERTO DI CARLI e o sr. CARLOS ANTÕNIO DI CARLI, que se encontram em lugar incerto não sabido, conforme certificou o sr. Oficial de Justiça, a tomarem ciência da penhora levada a efeito às fls. 94 dos autos de Execução forçada que lhes move o Banco do Brasil S.A".

No final, para ninguém duvidar, o edital comunica ainda: "Informamos que este Juízo tem sede nesta cidade, à av. André Araújo - Alameda Cosme Ferreira, s/n - Aleixo, Manaus, 28 de novembro de 1986. Assinado: Arnaldo Campelo Carpinteiro Peres, Juiz de Direito da 7ª Vara Cível da Capital". 

MOSCA NO MELO

Di Carli - o Carlos Alberto - é senador da República, faz parte de um dos poderes constituídos. O outro Poder - o Judiciário - não sabe onde encontrá-lo. Qual o comentário que podemos fazer sobre um fato como esse? Fica calmo, leitor furibundo. Vamos agir de cabeça fria. Nada de palavrões. Tem criança por perto. Não ri, leitora gozadora, não esfrega as mãos de contentamento, não ensaia chiliques e faniquitos nervosos, porque o edital é realmente um prato cheio para qualquer colunista bem intencionado, o que é o nosso caso. 

Em primeiro lugar, solicitamos à dona Elisa, devota e rezadora, que em suas orações peça uma graça especial e difícil de ser conseguida: que se faça Justiça nessa nossa terra de muro baixo. Nós estamos com muita sede e fome de Justiça! 

Em segundo lugar, devemos ajudar a Justiça, colocando à disposição da 7ª Vara essa coluna, para divulgar os próximos editais de intimação ao Di Carli. Em vez de publicar como matéria paga, no meio dos classificados, nós cedemos gratuitamente esse espaço, prestando um serviço de utilidade pública à comunidade amazonense.

Em terceiro lugar, essa coluna - quem a escreve e quem a lê - coloca o seu DPPP - Departamento de Pessoas Perdidas - à disposição do Judiciário para encontrar os dois senhores intimados, que estão em lugar incerto, não sabido e ignorado. 

É muito fácil encontrá-los, senhor Oficial de Justiça. O nosso DPP desenvolveu um eficiente know-how, a famosa dialética da "mosca no mel". É o seguinte: reunimos milhares de notas em dólares, verde como o colarinho de uns-e-outros, além de muitos cheques devidamente preenchidos. Depois, pegamos toda essa grana e colocamos amontoada em frente ao prédio da Secretaria da Fazenda (Unida?). Espalhamos, através das rádios e da TV, que tem grana fácil dando sopa naquele local.

Pronto! A armadilha está armada. Aí, senhor Oficial de Justiça, é só ficar esperando. Não vai demorar muito. O primeiro que chegar, pode prender, de olhos fechados: ele é um dos homens que o senhor procura. Ele vai cair como a mosca no mel. Pode prender também o seu acompanhante, que ele é o segundo intimado. Pelo amor de Deus, não prenda a terceira pessoa, que pode ser a dona Elisa: ela em toda a sua vida sempre chegou atrasada nas "bocas". 

GATO-E-RATO

Esse esquema aparentemente infalível, pode, no entanto, não dar certo, porque o "De Cujus", o carcará sanguinolento, é vivíssimo, pode desconfiar que os dólares são falsos e os cheques sem fundo e não ir até a boca do lobo. Catita viva, mesmo gulosa, não morde queijo envenenado. 

Nesse caso, o DPP pode colocar em funcionamento a dialética do Gato e do Rato. O rato sempre se coloca em lugar diametralmente oposto onde está o gato. 

Portanto, senhor Oficial de Justiça, faça um ofício endereçado ao delegado da Polícia Federal, Gustavo Gominho, responsável por identificar os criminosos da quadrilha do "Colarinho Verde", solicitando que às 10 horas da manhã do dia de natal esteja presente no bairro de Flores, ao norte de Manaus. Esse fato deve ser amplamente divulgado para que o "De Cujus" tome dele conhecimento.

Aí, senhor Oficial de Justiça, é só ficar esperando na moita, no ponto mais extremo, no sul de Manaus, na zona portuária. Quando souberem que Gominho está em Flores, os dois intimados, com certeza, chegarão no porto, esbaforidos, numa carreira tão grande que o mocotó virá batendo nas nádegas. Eles sempre se colocam, geográfica e moralmente, no polo oposto ao da Lei e da Justiça. Eles fogem da Polícia Federal como o capiroto foge da cruz.

Uma recomendação adicional, senhor Oficial de Justiça: prenda os dois imediatamente, porque se ficarem soltos, são capazes de tomar conta do porto de Manaus, o que é café pequeno para quem já vendeu gelo aos esquimós, com ágio, e conseguiu financiamento do Banco Nacional de Iglus para um projeto fajuta destinado a domesticar pinguins. 

Se essa segunda tentativa falhar, só resta, então, apelar para o bolso dos amazonenses. Essa coluna se compromete a fazer uma "vaquinha" entre os seus leitores, com o objetivo de comprar uma passagem Manaus-Brasília-Manaus, presenteando-a ao Oficial de Justiça.

Uma vez em Brasília, sr. Oficial de Justiça, convém ficar acampado na porta do Senado Federal, só abicorando um dos intimados. Quando ele for entrando todo lampeiro, todo senadorzão, para votar contra a Reforma Agrária, o senhor pega uma daquelas redes de caçar borboletas e - crau! - enfia na cabeça do "De Cujus".

Feito isso, o senhor coloca o "De Cujus" dentro do avião, trazendo-o sob vara para Manaus. Muito cuidado dentro do avião. Ele pode tentar afanar os talheres e copos da empresa de aviação e aqueles sabonetes quadradinhos, além do papel higiênico do banheiro.

PARE AGORA!

No momento da chegada ao aeroporto Eduardo Gomes, senhor Oficial de Justiça, com o "dito cujo" devidamente algemado pelos caracóis dos seus cabelos, não se assuste, não se impressione com os urros da multidão que o estará aplaudindo freneticamente como a um herói. O senhor, efetivamente, é um herói. Pode se candidatar à vaga no Senado, que leva fácil.

Em seguida, não haverá necessidade de pegar um táxi. Um carro, gentilmente cedido por nossos leitores, o transportará, com o "De Cujus" algemado", até a av. André Araújo - Alameda Cosme Ferreira, s/n, Aleixo. Ufa! Felizmente colocaram o endereço no Edital.

Devemos ser inflexíveis e não nos deixar vencer pela emoção quando, no momento de entrar na 7ª Vara, o "dito cujo" começar a cantar a música sucesso da Wanderléa, na época da Jovem-Guarda:

- Por favor, pare agora! Senhor Juiz (ela pronuncia giz), pare agora!

Uma multidão estará ululando na Porta do Juízo de Direito, gritando: "Sétima Vara nele, Sétima Vara nele".

Aí, né, sr. Oficial de Justiça, com o sentimento do dever cumprido o senhor entrega o "De Cujus" ao juiz. (Êta carpinteiro macho, sô! Só mesmo um carpinteiro para colocar a vara da lei funcionando. Tomara que o outro carpinteiro construa sua cadeira no senado).

Finalmente, juiz pergunta ao intimado: 

- O senhor é que é o ´dito cujo´?

-  Perfeitamente! 

- Então tome ciência da penhora levada a efeito às fls. 94 dos Autos de Execução forçada que lhe move o Banco do Brasil.

Ato seguido, o juiz esfrega a folha 94 na cara do "De cujus" e declara solenemente:

- Cacildes! O homem é mesmo perigoso. A Beth Azize e o Félix Valois tinham razão!. 

E para toda essa história ter um happy-end para nós, leitores, o juiz conclui in limine, sub-judice, ex-tunc, data venia, eucatex e durapox:

- Toma, delegado Gominho! Ele é teu. 

O barulho vindo das ruas não é terremoto do Rio Grande do Norte que alcançou o Amazonas. É a massa delirando, com a Justiça se implantando, enfim, nessa terra. As orações da dona Elisa foram ouvidas.

 

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1 Comentário(s)

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graça barreto comentou:
27/11/2017
Você não sabe a história de um cachorro pastor alemão que ele roubou da minha casa junto com a dondoca que estava com ele. Encontrei a dondoca uma famosa "periquita governamental" como gritei na frente da casa na rua fortaleza. Ela foi obrigada a jogar o cachorro pelo muro com medo do escândalo.
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