CRÔNICAS

Quem é o governador depravado do Amazonas?

Em: 10 de Dezembro de 1996 Visualizações: 10201
Quem é o governador depravado do Amazonas?
Um relatório confidencial vai explodir como uma bomba, quando o seu conteúdo for divulgado para toda a população amazonense. Nele, existem denúncias extremamente graves sobre o comportamento do governador, a forma como ele construiu sua enorme fortuna, as jogatinas e as orgias realizadas quase diariamente no Palácio do Governo e o enriquecimento ilícito de funcionários de alto escalão.
Não se trata de fofoca, mas de coisa séria. Muito séria. O relatório vem assinado por um alto funcionário do Poder Judiciário, chamado Antônio Feliciano Albuquerque Betencourt, pertencente a uma tradicional família de Manaus. Cada afirmação que ele faz está fundamentada em documentos que são anexados ao dossiê, comprovando que suas denúncias são verdadeiras.
O relatório está dividido em quatro partes. A primeira trata da falta de liberdade e de segurança dos cidadãos e da exploração dos trabalhadores do Amazonas. A segunda parte é dedicada a analisar os desfalques nos cofres públicos. A terceira tem por título “Corrupção dos Costumes”. Finalmente, a quarta parte aborda, entre outras questões, a briga do governador com o Poder Judiciário.

O próprio deputado Hélio Bicudo desconhece a existência deste documento, enviado recentemente para a coluna Taqui Pra Ti. O dossiê mostra em detalhes como o governador começou explorando trabalhadores na construção civil, mas omite qualquer referência a um pedreiro que ganhou o prêmio maior na loteria. Diz claramente, com todas as letras, que o grupo político ou “organização” do governador é, na verdade, “uma quadrilha de homens extravagantes” formada “para saquear os cofres públicos”.
O roubo de impostos, a extorsão e a chantagem feita sistematicamente para tomar dinheiro das empresas são práticas comuns da quadrilha do governador, segundo o relatório, que dá nome aos bois: Manoel Cordeiro do Couto, Julio Paixão, Manoel da Fonseca e Felipe João Ferreira são alguns dos empresários vindos de fora que foram chantageados pela quadrilha.
Os auxiliares do governador são quase todos corruptos - denuncia o responsável pela elaboração do dossiê, afirmando que "eles seguem os exemplos do seu chefe, entram pobres e saem ricos do governo”. Informa ainda com riqueza de detalhes sobre o contrabando da madeira feita pela quadrilha na região do Alto Solimões. Milhares de troncos de madeira de lei - valiosa pela sua escassez e por não apodrecer com o tempo - foram pilhados, saqueados e contrabandeados, em benefício dos membros da quadrilha.
Mas a coisa não se limita somente ao ramo da madeira. O relatório informa textualmente que “(...) o governador atual tem feito um monopólio escandaloso e assolador, que desgraçadamente tem se estendido a todos os demais ramos”.
A segunda parte do documento termina dizendo que existe muito mais “corrupção e pilhagem”, com grandes prejuízos para os cofres públicos, mas que deixam de ser apontadas para não cansar o leitor. Lamenta que “as promessas de restaurador do Amazonas”, feitas pelo “atual governador”, tenham sido abandonadas para acumular dinheiro ilícito destinado a “manter vícios de toda casta, deboches e desordens as mais monstruosas e contrárias à mesma sociedade”.
A leitura do terceiro capítulo do Relatório deve ser proibida a menores de 18 anos. Nele, traça-se um perfil do “caráter do governador”, as orgias e depravações cometidas. Narra-se um estupro com cenas de um realismo cruel, que fazem os libidinosos filhos do Rita Bernardino e do Nonato Lopes parecerem meninos fazendo a primeira comunhão.
A filha quase impúbere do Tenente José Thomás Pinto” - segundo o Relatório - foi raptada e conduzida de noite ao mato pelo governador, que a estuprou. Não foi a única. Ele exibia para moças virgens um livrinho de sacanagens, com desenhos imorais e pornográficos, “expondo as famílias para a vergonhosa corrupção que havia premeditado”.
O autor do Relatório, Antônio Feliciano, jura que viu várias vezes, de madrugada, o governador, completamente bêbado, só de cueca, acompanhado de prostitutas seminuas, cantando músicas debochadas. Em plena rua, próximo à sua residência, o governador media “com um compasso, aquilo que a natureza e a honestidade manda ocultar ao sexo feminino e fazendo outras mil corrupções (...)”
O Relatório joga pesado e confirma algumas fofocas que eram contadas na cidade, sobre a amizade íntima do governador com um negão. Apesar do exibicionismo, medindo publicamente com uma régua o tamanho do seu órgão sexual, o governador foi encontrado duas vezes, “uma vez, vestido em trajes de mulher, e outra em traje de paisano cometendo brigas e desordens com um Preto em casa de uma meretriz”.
Depois de todas as denúncias, o documento refere-se ao governador como “um representante público, que perdeu inteiramente o caráter, a honra e a estimação, quando devia ser o modelo dos que lhe estão subordinados”. Deplora essa situação, reafirmando, com a ortografia da época:
“Lastimo a piquinéz, e o aRastamento a que se acha reduzida a Authoridade Civil nestas paragens, e choro de ver chorar o grande e o piqueno, o Público e o particullar, sem lhe poder dar o remédio que só vejo ao longe, e muito allem do meu alcansse”.
Em nenhum momento, o Relatório menciona o nome do governador. Mas pela data em que foi escrito - 23 de dezembro de 1820 - sabemos quem é ele. Trata-se de Manuel Joaquim do Paço, governador da Capitania de São José do Rio Negro, considerado pelo historiador Arthur Reis como responsável por uma administração arbitrária, desprestigiada e imoral.
Dirigido ao ministro dos Negócios do Reino, Thomaz Antonio Portugal, o Relatório foi redigido pelo Ouvidor da Capitania do Rio Negro, Antonio Feliciano D’Albuquerque Betencourt, que pede providências urgentes contra a corrupção e a depravação do governador. Uma cópia manuscrita encontra-se no arquivo do Museu Amazônico, onde foi encontrado pela professora e pesquisadora da UA, Patrícia Maria Melo Sampaio, que fez a transcrição para sua tese de doutorado na UFF, em fase de redação. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos da vida atual é mera coincidência.
P.S1. - A morte recente do amazonense Alfredo Augusto de Castro Mendonça foi lembrada e chorada por alguns de seus amigos, durante o encontro de pesquisadores realizado em Campos - RJ, na semana passada, para discutir a situação dos documentos na região Norte Fluminense. Fundador do Curso de Arqueologia da Universidade Estácio de Sá, seu trabalho mais importante centrou-se na Bacia do Paranãn, em Goiás. Faleceu com 50 anos de idade, quando terminava um livro sobre datações arqueológicas brasileiras. Formou várias gerações de arqueólogos. Por proposta de um de seus ex-alunos, Renato Brandão, as “Jornadas de Trabalho” de Campos foram dedicadas à memória de Alfredo. Além de competente em sua área - suas pesquisas eram referências para outros estudiosos - Alfredo era um cara pai d'égua, muito querido por aqueles que tiveram o prazer de com ele conviver. À família enlutada, os nossos pêsames
P.S,2 - Paulo Girardi, dono do Jornal do Norte, que sempre garantiu a liberdade de opinião do colunista, mesmo quando dela discordava, foi ler a coluna quando já publicada. Ele me contou que quando começou a ler, pensou:  "O governador Amazonino Mendes vai processar e prender o Bessa". Na medida em que avançava a leitura, viu que a coisa era mais grave: "O governador vai fechar o Jornal do Norte". Respirou aliviado no final, quando sacou que o governador Manuel Joaquim do Paço estava morto e não podia mais processar ninguém (P.S. de 11 de setembro de 2013, quando este texto foi postado no site Taquiprati).

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