CRÔNICAS

Ai de ti, Miquéias: Entre Auxiliadora e Anette Stone

Em: 29 de Abril de 1997 Visualizações: 7980
Ai de ti, Miquéias: Entre Auxiliadora e Anette Stone
Aqui jaz Anette". Caso tivesse nascido mulher, esse seria certamente o epitáfio, gravado na pedra tumular de sua sepultura perpétua, de nº 612, na quadra 14 do Cemitério São João Batista. Sim, porque se fosse do sexo feminino, não havia dúvida: seu nome seria Anette. É. Isso mesmo. Anette, com dois "tt". Estava decidido que nem morta seria chamada de Dodora. Me explico, me explico. Vem comigo, leitor (a), ao próximo parágrafo, que tudo ficará esclarecido.
Olha só: ele veio ao mundo nos anos 50, quando Manaus vivia a disputa mais renhida de sua história: o concurso de Miss Amazonas. Duelo épico e sanguinolento. De um lado, a candidata Anette Stone, aluna do Colégio Santa Dorotéia. De outro, Auxiliadora, aluna do Instituto de Educação do Amazonas (IEA). Ambas desfilaram no Teatro Amazonas. Anette com um maiô preto, recebeu uma estrondosa vaia das normalistas do IEA. Auxiliadora, vestida com maiô amarelo que realçava sua pele morena, lavou a égua, afogada num mar de aplausos. Quem assistiu, jamais esquecerá.
A torcida organizada cantava, com letra improvisada e música de uma marchinha de sucesso à época "Oi Tutuquinha, meu amor": 
- Auxiliadora, meu amor. Presta atenção ao que eu te digo, minha flor. Se tu perder essa parada, vai haver porrada.
Houve porrada, porque apesar das vaias, Anette Stone - ai! - foi a vitoriosa  O troféu foi para a cearense Emília. Está, portanto, devidamente explicado porque a criança que iria nascer adotaria seu nome. Tratava-se de marcar posição: estaria sempre do lado de quem ganha. Afinal, um puxa-saco eficaz se forma no próprio berço ou - na ausência deste, como foi o caso - na rede de dormir. Seu lema seria: "Hay gobierno? Soy a favor".
No entanto, a criança que nasceu era do sexo masculino. Não podia chamar-se Anette que aliás ficou em segundo lugar no Concurso Miss Brasil 1955, perdendo para a cearense Emília. Por isso, a família, crente, decidiu então homenagear um dos doze profetas menores da Bíblia. Crente que abafava, o pai queria batizá-lo com o nome de Habacuque. A mãe preferia Sofonias. Os avós estavam indecisos entre Abimeleque, Manassés ou Zedequias. Na hora de dar-lhe um caldo no igarapé, o pastor chamou-o de Miquéias. O nome mudou, mas o destino de puxa-saco caboco permaneceu.
A velha tia Esther, que ficou no caritó, foi chamada para anunciar o futuro do recém-nascido. Ela tinha fama de pitonisa. Previu que um dos seus sobrinhos, o Zé Fernandes, iria para a capital, seria ascensorista do Hotel Amazonas e depois prefeito de Manaus. Que o Benjamin, seu preferido, seria advogado honrado. Que Ruth faria carreira na magistratura. Todos, dignos, honestos e trabalhadores.
Desta vez, porém, as visões de tia Esther identificaram duas mãos penduradas num saco e uma boca mamando com sofreguidão. "É ele, é o Miquéias", ela anunciou, horrorizada. "Do berço à sepultura, só vejo pilantragem e bajulação". Então, com a voz rouca das ruas - a mesma que FHC ouviria anos depois - ela profetizou:
1. "Ai de ti, Miquéias Manauara. Serás em tudo diferente do profeta cujo nome tu roubaste. Ele, o crente santo. Tu, o crente satânico".
2. "Miquéias de Moréset viveu como um justo às margens do lago Tiberíades, mudando em seguida para um canal do rio Eufrates, em cujo cemitério foi enterrado, depois de haver comprado seu túmulo por 20.000 dinares, dinheiro conquistado com o suor de seu rosto, declarado no Imposto de Renda à Receita Federal da Galileia, no ano fiscal 701 a.C.".
3. "E tu, Miquéias de Manaus, viverás como um infiel às margens do Furo do Paracuuba e depois à margem esquerda do rio Negro. Serás enterrado em sepultura perpétua, caiada por um fariseu e adquirida de forma fraudulenta, sem gastar um só ceitil do teu bolso. Ocultarás tua renda ao fisco, declararás os 15 filhos de tua empregada como teus dependentes e enganarás o Leão de Judá. Mas não serás feliz".
4. "Ai dos maquinadores de iniquidade, dos que cobiçam as terras e apoderam-se delas, dos que cobiçam as casas e roubam-nas. Ai de ti, Miquéias Manauara. Teu pecado clama aos céus e pede a Deus vingança. É mais tenebroso do que os crimes do Janjão e do Armando Vale". 
5. "Pobre de ti, Miquéias! Teu coração está corroído pela cobiça. Nem Janjão e Armando Vale ambicionaram tanto. Com um golpe de um milhão de reais na Caixa Econômica, os dois construirão mansões, que só poderão usufruir provisoriamente, durante o curto tempo de suas vidas terrenas. Enquanto tu, Miquéias, praticas ação dolosa para ganhares, além disso, uma moradia perpétua, na vida eterna, sem pagar condomínio e IPTU.
6. "Ai de ti Miquéias, mesmo encafifado num buraco de 1.20 x 2.00 metros quadrados, continuarás mamando pelos séculos dos séculos. No teu velório, o Coral da Assembléia de Deus, no templo da rua Duque de Caxias, cantará o "Funeral do Pastor":
- Esta cova em que estás, com palmos medida, é a terra que queríamos, te fosse vendida. É de bom tamanho, é um terrenão, por que tu não a vendes, para Armando e Janjão? É uma terra grande prá tão pouco taco, é o pagamento de um puxa-saco".
7. "Infeliz de ti, Miqueias! O Senhor está zangado e indignado contigo e sua ira cairá sobre tua cabeça, até a sétima geração, porque caluniarás um de seus melhores filhos, querendo impedi-lo de cumprir seu dever de informar. Será o começo do teu fim. Maldito sejas, Miquéias! Tu entrarás o século XXI sem um mandato de parlamentar, pois não serás re-eleito".
Dito isto, tia Esther desmaiou. Todas suas previsões até agora se confirmaram. Miquéias, o crente satânico, fez carreira política, pronunciando-se a favor de todos os governos e autoridades federais, estaduais e municipais. Puxou o saco, mesmo de longe, do Sarney, do Collor e do Itamar. Engraxou os sapatos do Boto, do Arthur Neto e do Eduardo Braga. Agora, bajula servilmente Amazonino e o Cabo Pereira. 
Miquéias é um infiel. Corneou todos os partidos aos quais se filiou. Trocou de partido como quem muda de camisa. Leiloa periodicamente o seu mandato, sempre em troca de vantagens pessoais. Entrou na vida pública para se locupletar. Está atento a qualquer boca, mesmo que seja uma simples sepultura perpétua, destinada legalmente a pessoas reconhecidamente pobres.
"A concessão da sepultura perpétua foi uma homenagem à mamãe", declarou Miquéias, querendo assim justificar a operação fraudulenta. Pelo amor de Deus, Zé, Benjamin e Ruth, não deixem o Miquéias meter o nome da santa mãe de vocês nesta história suja. A mãe da gente deve ser homenageada com dinheiro da gente e não transgredindo a lei. Devolve a sepultura dos pobres, Miquéias! 
Miquéias, o crente satânico, o coveiro da honradez, caluniou o jornalista Orlando Farias, que investigou a fraude das sepulturas e comprovou que nem os mortos estão salvos da corrupção. Miquéias ofendeu toda a imprensa amazonense. Desta forma, envergonha sua família, seus eleitores e o rebanho de sua própria igreja. Orlando sai limpo e com a solidariedade de centenas de leitores e dos colegas. Vamos juntos fazer uma prece para que se cumpra a última profecia da tia Esther e Miquéias não consiga a sua re-eleição.Aleluia! 
Aqui jaz Miquéias, o puxa-saco, derrotado por uma cova rasa.

P.S. - Pauderney (viche!) se filia no dia 6 ao PFL (viche! viche!). Como diria o Pipão, prefeito de Greenville: "da ráite man in da ráite pleice"..

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