CRÔNICAS

Maternidade Balbina: necrotério de bebês

Em: 20 de Maio de 2001 Visualizações: 7679
Maternidade Balbina: necrotério de bebês
Maternidade, em qualquer lugar do mundo, é um lugar onde nascem crianças. Mas no Amazonas, a Maternidade Balbina Mestrinho transformou-se em necrotério de bebés. Num curto espaço de dois meses - novembro e dezembro de 2000 - cerca de 76 bebés que lá nasceram, vivos, morreram, o que é um índice quase três vezes maior do que a média nacional. O fato, publicado pela Folha de São Paulo escandalizou todo o país, vocês se lembram? 
Uma médica corajosa, que luta em defesa da vida, botou a boca no trombone. A doutora Luiza de Vanconcellos Dias Mendonça, pediatra, há mais de 21 anos trabalha na Balbina, onde foi chefe de Neonatologia - um cargo técnico, não remunerado. Durante anos, brigou por medicamentos, equipamentos e material, chamando a atenção para as precárias condições da instituição. Quando em outubro de 1997, durante um 'blackout', recém-nascidos prematuros morreram por falta de aquecimento, já que não havia um gerador de energia próprio, ela denunciou o fato aos jornais.
No dia 15 de janeiro deste ano, a doutora Luiza foi afastada do Corpo Clínico da Balbina, imediatamente depois que a promotora Guiomar dos Santos Castro tornou pública a denúncia feita ao Conselho Regional de Medicina (CRM) sobre as mortes dos 76 bebés. Acontece que um mês depois, no dia 20 de fevereiro, o CRM concluiu que "as mortes ocorridas na Maternidade Balbina Mestrinho atingiram níveis inaceitáveis' e abriu processo contra as doutoras Ângela Loureiro e Sigrid Cardoso, responsáveis pela direção da Maternidade.
Alguns leitores escreveram opinando que esta coluna devia recolocar em discussão o caso dos bebés mortos na Balbina, porque "o assunto não perdeu sua atualidade'. Eles acham que a doutora Luiza está lutando pelos interesses da vida e da população amazonense e merece a solidariedade de todas as pessoas de bem. Concordo. O assunto, portanto, está em discussão e aguardamos que outros leitores se pronunciem.
O CASO DA UA
Outro tema polêmico diz respeito à Universidade do Amazonas. Qualquer comentário sobre a UA, gera sempre uma enxurrada de cartas, protesto de alguns leitores, apoio de outros. Uma carta datada de 11 de março de 2001 e postada no dia 13 de março na Agência dos Correios da Saldanha Marinho só ontem chegou às minhas mãos. Transcrevo aqui os seus principais itens. Creio que eles oferecem uma pauta interessante a ser investigada pelos jornais de Manaus e merecem a atenção do reitor recém-eleito.
"Prezado jornalista,                         
"É com prazer que voltei a comprar o jornal A Crítica para ler as suas crônicas. (...) É bom viver essas mudanças para melhor em Manaus. É bom ler alguém consequente, sério, regado de humor e, camusianamente, irônico. Minha carta a você tem o objetivo de contribuir para o debate sobre a qualidade acadêmica e a ética no setor do ensino superior nesta cidade. 
"A questão é a seguinte: com a proliferação das faculdades particulares em Manaus surgiram oportunidades para professores novos e recém formados ingressarem no mercado de trabalho. No entanto, esses estabelecimentos particulares acabaram contratando professores que já pertencem aos quadros da Universidade do Amazonas, onde trabalham em regime de Dedicação Exclusiva (DE), o que é desleal e desonesto".
"É desleal porque as faculdades particulares selecionam seus professores pelos currículos e, evidentemente, os professores da UA trazem mais experiências do que os candidatos recém-formados. É evidente que a experiência nem sempre significa competência: conheço muitos professores da UA que não passam de funcionários públicos à espera da aposentadoria".
"É desonesto porque o regime de trabalho de Dedicação Exclusiva (40 horas semanais) da Universidade do Amazonas não lhes permite outra ocupação. Os professores DE da Universidade do Amazonas que trabalham em outras instituições são das áreas de Química, Filosofia, Pedagogia, Jornalismo e, evidentemente - pelo bordel que conheço nessas áreas - pode haver outras que não sei precisar. Sugira em sua coluna que o atual reitor Walmir Albuquerque, que tenta se reeleger, realize uma sondagem sobre o número de professores da UA em regime de DE, que se encontram trabalhando na calada da noite nas faculdades particulares de Manaus".
"Essa desonestidade e esse descaso com a ética profissional e com o engajamento da cidadania configura crime, suscita desconfiança e preocupação com a formação profissional do corpo discente que é formado por esses 'professores' mercenários e cegos à realidade social da atual conjuntura. Por ironia, são esses professores que mais criticam os prejuízos que a política neoliberal tem causado à sociedade brasileira e ao mundo em geral".
"Evidentemente que esses 'professores' buscam complementos para seus parcos salários. No entanto, a complementação salarial não significa a lei do vale-tudo, conotando objetivamente desonestidade e deslealdade. Que busquem soluções para suas políticas salariais contribuindo com o conteúdo qualitativo da democratização e com os fortalecimentos das categorias profissionais no bojo das vitais reivindicações atuais".
"No nosso Estado, muitas instituições estão falidas e não somente aquelas instituições públicas. Recentemente um colunista social do canal 13 foi surpreendido colando no exame da OAB/AM e o grave problema foi contornado pela simples e bizarra razão desse senhor ser um colunista social e, por conseguinte, ter acesso à imprensa local, funcionando então o esquema denunciado por Roberto da Matta: - 'você sabe com quem está falando'?
"A Universidade do Amazonas tem sido vítima de vários e graves descasos praticados pela irresponsabilidade e falta de compromisso profissional de alguns de seus próprios professores. É significativo o número de docentes que saem para cursar mestrado e doutorado e voltam sem colar grau, sem apresentar a respectiva dissertação e/ou a tese. Passam de três a seis anos fora recebendo salários integrais com bolsas da CAPES, com ajuda de translado e de logísticas e não dão qualquer retorno à sociedade através da Universidade do Amazonas.
"Além disso, os professores que vêm de fora prestar concurso, se titulam pelos trâmites da UA e depois vão embora para suas respectivas cidades no Nordeste, no Sudeste e no Sul do país. Nada contra os professores de fora. Pelo contrário, eles poderiam contribuir com as imensuráveis problemáticas que esta província enfrenta. O problema é a apatia e a consequente ausência de compromisso deles com esta carente e sacrificada região. É mais grave ainda porque a UA perde a vaga desses professores retirantes - às vezes competentes - uma vez que o MEC não considera mais as instituições universitárias donas das vagas.
"Há um caso típico do cinismo. Um professor do Departamento de Filosofia, depois de usufruir até os últimos minutos das regalias, disse que não apresentou sua tese porque havia sido assaltado e o único disquete que ele dispunha da tal tese estava na valise que o assaltante levou. Mais uma vez, é pelo Departamento de Filosofia que o Trem da Alegria começa.
"Alguns professores da UA - e não são poucos - assumem aulas em cidades do interior do Estado ao mesmo tempo em que estão lotados para dar aula no campus em Manaus. Ou seja, esses 'professores' mercenários conseguem até driblar uma das elementares leis da física: "Um corpo não pode ocupar dois espaços ao mesmo tempo". E a UNISOL? O que é mesmo essa prestadora de serviços a instituições universitárias. Onde fica o Magnífico Reitor prof. Dr. Walmir Albuquerque? É um vasto mistério.
"Permito-me a deselegância de não me identificar por motivos óbvios que a precaução me alerta. No entanto, dou fé do que lhe relatei nesta comunicação. Sugiro que em sua coluna preste atenção ao seguimento da universidade pública neste Estado a bem de podar o corporativismo, a falta de profissionalismo, o cinismo e tantos outros 'ismos' que infelizmente têm marcado o comportamento de alguns professores da UA.
"Ressalto que meu respeito à instituição permanece e reconheço certos empenhos, seriedades e profissionalismos que outros professores dessa mesma instituição gozam"..
ver também: http://www.taquiprati.com.br/cronica/313-fala-leitor-
http://www.taquiprati.com.br/cronica/312-a-critica-sem-taquiprati
 

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1 Comentário(s)

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Ayle-Salassié Filgueiras Quintão comentou:
28/07/2023
Bela denúncia, Bessa. Esses professores deviam se ocupar com pesquisas. É para isso que eles recebem a dedicação exclusiva. Muita oportuna sua matéria. Não sei se a informação chegará por aqui. Torço por isso. Abraços
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