CRÔNICAS

Idjarruri@Karajá.com

Em: 25 de Julho de 2004 Visualizações: 9523
Idjarruri@Karajá.com
Os índios estão de luto. O cacique Idjarruri Karajá, 40 anos, morreu no domingo passado na cidade de Palmas (TO), depois de uma cirurgia renal. Foi sepultado na aldeia Porto Txuiri, na Ilha do Bananal, na presença de seus parentes, de lideranças indígenas e de autoridades locais. Daqui, vai um último adeus ao amigo, ao “guerreiro desprendido”, com quem tive o prazer de conviver durante a Conferência Mundial dos Povos Indígenas – a Kari-Oca – que ele organizou em 1992, no Rio de Janeiro, junto com o Álvaro Tukano. Guardo foto tirada pelo Milton Guran em 1985 de uma menina Xavante pulando no rio, que me foi ofertada pelo cacique com uma dedicatória. 
Nessa época, como ele morava em Niterói, perto da minha casa, ia e vinha de carona comigo. Foi nas repetidas travessias da ponte, que Idjarruri descreveu, quase como se fosse uma pintura, as campinas extensas, os lagos misteriosos e os peixes encantados da Ilha do Bananal. Era um narrador discreto e suave, que sabia também ouvir. Lembro que num engarrafamento da ponte, aproveitei para recitar, com entusiasmo, poemas do poeta amazonense Luis Bacellar, que ele soube apreciar, entre os quais “Frauta de Barro”.
Perguntei a Idajurruri sobre sua formação política. Ele contou como atuou nas lutas indígenas desde os 17 anos, quando estudava em Brasília, falou de sua participação na fundação da União das Nações Indígenas, ao lado de Aylton Krenak, e no Comitê Intertribal – 500 anos de resistência. Discorreu ainda sobre a mobilização para garantir, na Constituição de 1988, os direitos dos índios à terra e à cultura. No meio da conversa, emergiu várias vezes o cadáver ainda quente do índio javaé Mauro Wakari, assassinado, em 1991, por um cabo da PM, com um tiro à queima roupa.
Depois disso, Idajrruri voltou para a Ilha do Bananal, que havia sido invadida por mais de cinco mil intrusos: fazendeiros, boiadeiros, posseiros, madeireiros, caçadores, pescadores, peões e comerciantes de todo tipo. Escreveu carta ao então presidente da República, Fernando Henrique, exigindo o cumprimento da lei, e liderou em 1995, a luta pela expulsão dos invasores e pela reconquista de suas terras, depois de haver criado a Comissão Indígena da Ilha do Bananal (COMIBA), da qual foi o primeiro presidente. Tomou, sem derramar uma gota de sangue, um povoado de ‘brancos’ – Porto Piauí – que ficava dentro da área indígena e lá criou a aldeia Porto Txuiri, da qual foi cacique por alguns anos. Sabia avaliar a correlação de forças. Sabia negociar. Sabia lutar.
Os Karajá, estimados no século XVII em mais de 45.000 indivíduos, foram dizimados pela violência, pelo trabalho compulsório em fazendas, e por uma série de doenças: tuberculose, malária, verminose, alcoolismo. Em 1990 eram aproximadamente 2.100 índios. Graças ao processo de recuperação das terras, liderado por Idjarruri, a população voltou a crescer e conta hoje com cerca de 3.000 índios.
As conversas com Idjarruri prosseguiram em 1997, quando nos reunimos em Manaus, no 1º Encontro de Lideranças Indígenas, organizado pela COIAB, para o qual fui convidado como moderador. Do encontro, sobrou uma foto em que estamos junto com Aylton Krenak, Eliane Potiguara, Jorge Terena, Biracy Brasil e vários outros lideres indígenas da Amazônia. No final do evento, lamentei ter passado tanto tempo sem manter contato e perguntei:
- Como posso fazer pra voltar a falar contigo?.
Pensava que ele ia me dar um telefone para recado, lá na aldeia Txuiri. Em vez disso, ele me surpreendeu com o número do seu celular (063 – 978-4649) e seu e-mail, algo assim como Idjarruri@karajá.com.br.
É para esse endereço que gostaria de enviar o poema “Tocantins de Sangue”, que Eliane Potiguara dedicou a Idjarruri, “no dia em que foi se encontrar com o Grande Espírito”. Quem sabe, ele abre sua caixa de correspondência? Reproduzo aqui apenas o primeiro e o último verso:

”Há vida nesta flor
Há vida nesta vida
Tão guerreira
Desprendida.
Há flor nesta vida
Há vida nesta vida
De guerreiro
desprendido.
Há sangue nesta vida
Há vida neste sangue
Tão guerreiro
Desprendido”.
P.S. - Já amanheceu 571 vezes desde que Lula é presidente, mas para os índios da Terra Indigena Raposa Serra do Sol não existe ainda terra homologada, conforme o candidato Lula havia prometido em campanha.
 
P.S. 2 - Carta a Artur Neto
O leitor José Carlos Pina, bibliotecário, finalista do curso de jornalismo na UniNilton Lins, escreveu carta ao senador Artur Neto. A carta está tão bem escrita, com ironia tão refinada, que sirvo de carteiro e entrego ao seu destinatário, cortando, no entanto, alguns parágrafos, por limitação do espaço. Eis o que Pina escreveu:
Meu caro Senador Artur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Quero cumprimentá-lo pela brilhante postura de homem público com que o nobre Senador saiu em defesa do Vice-Governador Omar Aziz, quando do episódio da inclusão do nome daquele na CPI da Exploração Sexual de Menores, defesa esta consubstanciada à luz do direito penal brasileiro, carreando com isso, os votos necessários para a retirada do nome deste nobre político ultrajado do Relatório final.
A expressão utilizada por V.Exa. em matéria publicada no jornal A Crítica (“CPMI; Artur tenta tirar o nome de vice-governador do relatório”) foi: “Pode não ter sido ele, mas um parente próximo, a pessoa que se envolveu com uma adolescente há dois anos, em Manaus, e pagou R$150, por um ‘programa’ (...) fiquei convencido de que não foi ele o autor do crime sexual, mas um parente próximo que eu me reservo no direito de não revelar já que é uma decisão dele fazê-lo”. Ou seja, o senador declarava estar convencido de que não foi Omar Aziz, mas um primo dele, um homem narigudo (...) Trata-se de um embasamento jurídico fenomenal, digno dos grandes causídicos deste país verde amarelo.
Com este episódio, tomei conhecimento de dois fatos que até então desconhecia. O primeiro, da verve humorística do nobre senador, digno de figurar como redator de qualquer programa do gênero, sem nenhuma dúvida. E o segundo, que o vice-governador é peruano de nascimento, e eu que jurava que ele era filho do bairro de Aparecida dada sua ligação com a escola de samba do local. Foi aí que lembrei de minha avó, quando usava da sábia expressão, caso o nome de Omar Aziz tivesse sido incluído no tal relatório:“não tem fiofó de peruano que agüente”.
 
 
 

.

Comente esta crônica



Serviço integrado ao Gravatar.com para exibir sua foto (avatar).

1 Comentário(s)

Avatar
Pablo Freitas (via FB) comentou:
18/08/2016
Fui na Eco 92 com meus irmãos e meu pai, um dos primeiros cabeludos de Niterói. Papai passou a vida querendo ser índio e um pouco conseguiu. Linda recordação, Bessa!
Comentar em resposta a Pablo Freitas (via FB)