CRÔNICAS

O dia em que entrevistei Rockfeller

Em: 04 de Dezembro de 2005 Visualizações: 10644
O dia em que entrevistei Rockfeller
Na Bolívia, onde me encontro nesse momento num evento acadêmico, tento entrevistar Evo Morales, candidato a presidente da República nas próximas eleições de 18 de dezembro. Furou. É uma pena. O Diário do Amazonas e o jornal do litoral paulista Imprensa Livre iriam gostar, da mesma forma que o site Vejosaojose, de São José dos Campos, que reproduz essa crônica. Não faz mal. O leitor fica sem saber o que pensa Evo Morales, mas em compensação vai conhecer aquilo que NÃO pensava o ex-quase-futuro presidente dos Estados Unidos.
Foi assim. Num dia do mês de setembro de 1967, na sala de redação do jornal O SOL, Otto Maria Carpeaux falou, olhando pra mim:
- Você vai entrevistar o Nelson Rockefeller.
Minhas pernas ficaram bambinhas. Rockefeller era, então, governador de Nova York. Gaguejei:
 - Quem, eu?
Carpeaux confirmou:
- É. Você mesmo!
Pensei:
- Araruta tem sempre seu dia de mingau. Finalmente, reconheceram meu valor. Vou lavar a égua!
Nessas alturas, já me via embarcando num avião para Nova Iorque, como enviado especial, cheio de mordomias: hotel cinco estrelas, uísque, cigarro Marlboro e, sobretudo, texanas peitudonas me chamando “come on, baby”, como nos filmes americanos. De lá, mandaria um cartão postal para dona Elisa, no Beco da Bosta: “Dear mother, I am washing the horse's woman”.
Muito tucupi
Desconfiei, no entanto, que era muito tucupi pro meu tacacá. Afinal, na época, eu não passava de um simples aluno de jornalismo da UFRJ, que trabalhava com outros colegas como repórter de um jornal-escola - O SOL – cujos editores eram jornalistas tarimbados: Ana Arruda, Reynaldo Jardim, Cony, Zuenir Ventura, Marta Alencar, Ricardo Gontijo e o próprio Carpeaux. Quanto a Nelson Rockefeller, tratava-se dele mesmo, o milionário, que estava de passagem pelo Rio de Janeiro e concederia entrevista coletiva, no Hotel Glória, para toda a imprensa falada, escrita e televisionada.
O Hotel Glória ficava a 8 km. da redação. Infelizmente, não carecia embarcar num avião pra chegar lá. Se precisasse, estava ferrado, porque o jornal não tinha grana nem pra me pagar um táxi. Acompanhado do fotógrafo, me mandei pro local da entrevista no ônibus 455, todo verdinho, que fazia Central do Brasil – Urca.
Na portaria do hotel, quase fui barrado, suspeitaram da minha figura, um riponga cabeludo, suado, meio pau-de-arara, vestido com um paletó abafa-banana, cujo defunto era maior. No salão, jornalistas nacionais e internacionais. Fiquei sentado lá atrás, com timidez municipal, anotando o que os outros perguntavam.
Nelson Rockefeller era um grandalhão, de cara quadrada e vermelha, parecia um padre americano da 'Piróquia' de Aparecida. Veio para a reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Se tirassem uma foto do saco dele, apareceriam as mãos do ministro Delfim Neto, o gordinho sinistro, que conduzia as negociações com os credores do Primeiro Mundo. A UNE preparava manifestação contra os dois, panfletando em todo Brasil um artigo de Carpeaux intitulado “FMI – Fome e Miséria Internacional”.
Na entrevista coletiva, Rockefeller falou de economia, dívida externa, inflação, propensão a poupar e relação capital-produto. Teve a cara de pau de defender o aumento do preço dos gêneros alimentícios no Brasil, diz-que pra incentivar os produtores rurais. Não mencionou a fazenda Bodoquena, de sua propriedade, lá em Mato Grosso. Quando terminou o papo, todos os jornalistas foram embora. Aliás, todos não! Adivinha, perspicaz leitor (a), quem ficou abicorando o Rockefeller na portaria do hotel? Quem? Exatamente, o metidinho aqui, esse que digita essas mal traçadas linhas.
É que Carpeaux tinha me pedido o impossível: uma declaração exclusiva para O SOL. Corre comigo, leitor (a), que lá vem o Rockefeller, lá vem vindo pelo corredor cercado por uma cacetada de guarda-costas, está se aproximando da portaria. Dou um mergulho por baixo dos seguranças e me perfilo diante dele, arremessando-lhe, num inglês macarrônico, a seguinte pergunta, que ninguém havia formulado por razões óbvias:
- What do you think about Vietnam War?
Minha amiga jornalista e colega de O Sol - a Verinha Porra Louca - quando manifestei preocupação em entender a resposta por causa da precariedade do meu inglês, havia me aconselhado:
- Faz a pergunta e o Rockefeller que se vire.
A não notícia  
Fiz a pergunta, que era pertinente. O governo assassino do presidente Lyndon Johnson havia produzido o “napalm” e despejava diariamente toneladas de bomba, matando crianças e mulheres, destruindo plantações, diques e arrozais. Os vietnamitas se defendiam com lança de bambu, conquistando a simpatia do mundo inteiro. O lado sadio dos Estados Unidos – Jane Fonda, Noam Chomsky, o movimento hippie, etc – protestava diante da Casa Branca. Rockefeller, que pertencia ao lado podre, defendia a carnificina e a barbárie. Agora, diante de um ousado repórter, ele ia ver o que era bom pra tosse.
Aqui pra nós, que o Carpeaux, lá no céu, não nos ouça, mas o meu inglês era sofrível, good morning, good night, the book is on the table, here comes the sun, because the sky is blue, where do the children play. Portanto, só poderia entender a resposta, se ela fosse simples, de preferência com palavras usadas nas músicas dos Beatles e do Cat Stevens. Rockfeller, felizmente, cooperou, dando uma resposta mais simples do que eu esperava:
- Oh, No! No! No.
Um gorilão de cabelo escovinha, que servia de guarda-costa, me suspendeu pelo gogó e me jogou do outro lado da baía da Guanabara. Mas o fotógrafo registrou aquele momento de glória no hotel do mesmo nome. No dia seguinte, todos os jornais se repetiam puxando o saco do milionário, reproduzindo as mesmas xaropadas da entrevista coletiva. Apenas O SOL tinha arrancado uma entrevista exclusiva e berrava em manchete de oito colunas: ROCKEFELLER SE RECUSA A FALAR SOBRE GUERRA DO VIETNAME. Carpeaux me elogiou. Cony, editor de Polícia, escreveu algo mais ou menos assim: O tarado da Penha estuprou três crianças, o bandido Gaguinho degolou um alcagüete, houve um incêndio criminoso na favela do Esqueleto, mas o maior crime da semana foi o Rockfeller propor o aumento do preço dos alimentos no Brasil.
Pois é, leitor (a). Bem que eu queria escrever sobre Evo Morales, já que estou aqui na Bolívia. Queria contar algumas histórias sobre ele, em vez de falar sobre os índices de pesquisa. Os jornais falam muito de números, índices, percentagens, mas silenciam sobre emoções, sentimentos, falas. E o que eu queria mesmo era te contar algumas fofocas, por exemplo, a imprensa local abre grandes espaços para relatar que Evo não pagou a pensão alimentícia de um filho, Álvaro Morales. Todo Lula tem a Lurian que merece? Aliás, Evo é a cara cuspida do Luis Ignácio, com todas suas qualidades e defeitos.
P.S. Quando o Lula fala: - “Veja bem”, eu fico tremendo nas bases, justamente porque faço o que ele pede: vejo bem. E o que eu vejo, bem, deixa pra lá....

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3 Comentário(s)

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Perminio Ferreira comentou:
16/05/2017
José Bessa é sempre muito bom, mas às vezes a inspiração chega forte
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Joáo Bosco Bezerra comentou:
16/05/2017
BABA MUITO BOA essa , good morning, good night, the book is on the table, here comes the sun, because the sky is blue, where do the children play. Portanto, só poderia entender a resposta, se ela fosse simples, de preferência com palavras usadas nas músicas dos Beatles e do Cat Stevens. Esse é meu inglês ginasial.
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Silverio Rodrigues comentou:
01/11/2014
Essa entrevista não aparece na biografia do Rockfeller (rs) intitulada On his own terms - a Life of Nelson Rockfeller do historiador Richard Norton Smith. Ele morreu em janeiro de 1979, de um ataque cardíaco, mas não foi no escritorio, trabalhando, como divulgaram oficialmente e sim na cama da amante dele, uma tal de Megan Marschack, de 25 anos, conforme revelou a propria viuva Happy.. . Estou te enviando a foto dela pra voce publicar.
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