CRÔNICAS

O café-society de igarapé

Em: 24 de Dezembro de 2006 Visualizações: 9312
O café-society de igarapé

.Domingo passado, dois acontecimentos antagônicos agitaram Manaus. Um deles, relatado pela repórter Ariranha, rolou num programa da TV Rio Negro, Canal 13. O outro, testemunhado pelo repórter Tambaqui, ocorreu numa missa na igreja Nossa Senhora da Piedade, no Conjunto Atílio Andreazza. Começo com o primeiro, reproduzindo aqui a longa carta da repórter Ariranha.

“Caro Taquiprati, no domingo assisti ao programa do Alex Deneriaz, que contou, tim-tim por tim-tim, os detalhes do aniversário de quinze anos de Louise Braga, realizado na terça-feira, dia 12, no Diamond Convention Center”.

“Você sabe onde fica essa casa de festa luxuosa e cara? Não, não é em Miami, como o nome pode sugerir. É em Manaus mesmo, na Avenida do Turismo, no Tarumã. Seu nome atrai o café-society baré, que se deslumbra com expressões em inglês, justamente porque essa nossa burguesia de igarapé é monoglota, incapaz de manter uma conversação em língua estrangeira, não fala sequer gudi naite ou tanquiú”. 

“É nesse ‘Center’ americanizado, com sua arquitetura brega-chique, que os granfinos locais, pertencentes ao chamado ‘jet set xis kabokinho’, realizam suas festas, em oito salões distribuídos por dois pavimentos, com sistema de computação e internet, moderno projeto acústico, ar-condicionado freskurite ofláite, estacionamento para 400 carros, gerador próprio de energia, camarins, cozinhas e oscambau a quatro”. 

Jet Set Xis Kabokinho

“Nenhum palco melhor para a festa de Louise que esse santuário socialaite. Por fora Miami, por dentro Paris. A mãe da aniversariante viajou à capital francesa só para encomendar os convites e a decoração. As músicas, a comida, os arranjos de buffet e os centros de mesas, produzidos exclusivamente para o aniversário e até os guardanapos bordados com as iniciais de Louise – LB - tinham cheiro de queijo camembert”.

“O tema da decoração foi o ‘Moulin Rouge’. Achei estranho o aniversário de uma menina-moça ter como referência central um cabaré, com suas dançarinas e showgirls. Se fosse pelo menos o cabaré Chinelo, em ruínas! Mas o que o jet set xis kabokinho queria era esquecer que morava em Manaus, fingindo que a Avenida do Turismo era o Boulevard Clichy. Faz de conta que Tarumã virou Pigalle e a Ponta Negra é o quai de Bercy, num desencontro de águas dos rios Negro e Sena”. 

“O bolo na cor branca tinha uns quinze andares, só não chamou mais atenção por causa da roupa da mãe da aniversariante que vestia, segundo Deneriaz, um modelito Armani preto e dourado, tipo balonê, com mangas fofonas. Ah, e tinha também os brincos que vinham até o pescoço, tão cheios de brilhantes que estouravam a cor no vídeo”. 

“Na hora da valsa,  a fila de cavalheiros para dançar o 'Danúbio Azul’ com Louise era composta por homens bem mais velhos e barrigudos (tadinha dela que esperava ver os alunos do Colégio Militar). Cito alguns: seu tio, Robério Braga, secretário de Estado da Cultura, e o ex-governador Amazonino Mendes, que fez sua primeira aparição pública depois da derrota nas últimas eleições. Ambos fazendo biquinho para parecer francês”.

“Amazonino, padrinho da Louise, veio acompanhado de sua esposa Tarsila que vestia um vermelho longo. De paletó e gravata de vários tons azuis, estava muito mais gordo. Depois da valsa, a mãe Iolanda Oliveira (que é irmã do empresário Iomar Oliveira) e a filha Louise jogaram centenas de rosas vermelhas para o público, bem ao estilo Roberto Carlos ao terminar seu show de final de ano. Não entendi bem o espírito da coisa”. 

“Ah, o figurino do Alex Deneriaz chamou minha atenção! Todo de preto e com uma cartola de lantejoulas pretas parecia o Charada ou o pingüim do Batman. Quem tinha razão era o Ibrahim Sued: já não se come mais caviar como antigamente. Confesso que fiquei com saudades do Nogar – Tudo Vê Tudo Informa, da Ana Maria Blá-blá-blá, da Elaine Ramos, do Little Box e de outros cronistas sociais das décadas de 1950-60”. 

Pirrarrucu de kasaká

“O evento foi ‘divino e inesquecível’, segundo o site do Diamond Center. Mais de 800 convidados macaquearam os franceses, enchendo a cara com champanhe e vinho, num calor tropical de lascar (como é duro ser chic nos trópicos!). Forraram a pança com foie gras, crepes, petit gateau, tarte tatin, tudo isso servido em mesas personalizadas. Só faltou mesmo o pirrarroucou black-tie, de kasaká. Alex Deneriaz exclamou: Felizes foram os eleitos que desfrutaram de toda essa maravilha”.

“Quem pagou a conta? A aniversariante é filha de João Coelho Braga, que durante o governo do Amazonino foi presidente do IPASEA, superintendente da SUHAB e, no final, presidente da Comissão de Obras Públicas. Quando dirigia o IPASEA, ele liberou R$ 42 mil para sua esposa, Iolandinha Oliveira Braga, custear despesas com viagem e – dizque – tratamento médico. Um taquiprati de 1995 – O Coelho do Ipasea – fala disso”.

“Surpresa com o tema da festa, que é uma negação do que somos como identidade coletiva, pergunto: para quem a família quer aparecer com esse exibicionismo decadente? Os Sabbá, os Benchimol, os Tadros, os Vianez, empresários tradicionais que fizeram fortuna trabalhando duro, jamais dariam um espetáculo tão deprimente de ostentação e futilidade, porque sabem o valor do dinheiro”.

“Esse desperdício todo é coisa de novo rico, que fez fortuna sem suar. Suspeito que essa festa perdulária foi bancada com o nosso dinheiro, do contribuinte. Ninguém na cidade soube me dizer de onde o pai da aniversariante tirou tanta grana. Acho que a resposta pode estar naquelas milhares de casas construídas no conjunto Nova Cidade que o funcionário público estadual paga para morar.Por fim, também me pergunto se a Receita Federal não pode ficar mais atenta a essas gastanças”.  

Menores carentes

Interrompo aqui a carta da Ariranha por falta de espaço. Sobrou pouco para o relato do repórter Tambaqui. Vou resumir. Ele contou que domingo passado, na igreja Nossa Senhora da Piedade, durante a homilia, o padre Danival sentou a ripa nos deputados federais – os depufedes – que aumentaram escandalosamente seus salários.

O padre Danival está indignado. Com razão. Ele trabalha com menores carentes e convive diariamente com a miséria. Sabe que a distribuição de riquezas no país é desigual e que se muitos não têm nada é justamente porque poucos têm muito. Outros padres em todo Brasil, seguindo a orientação da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, fizeram como o padre Danival.

A população reagiu. Protestos se multiplicaram pelas cidades, ganharam a internet e a mídia. Em Brasília, um cidadão se algemou no Congresso Nacional. Na Bahia, uma senhora desesperada, que não conseguia receber seu FGTS, deu três facadas no depufede ACM Neto. Sindicatos, estudantes, donas de casa gritaram seu desacordo. O STF se pronunciou. Os deputados, finalmente, recuaram, pelo menos por enquanto.

O repórter Tambaqui diz que o Brasil está mudando, porque o povo não está aceitando mais ser tratado como otário. Ele acha que da mesma forma que houve protesto contra o aumento de salários de deputados, é preciso uma ação enérgica contra exibições perdulárias, como essas organizadas pelo jet set xis kabokinho, que constituem uma ofensa ao povo brasileiro.

P.S 1. No dia 18 de dezembro, meu amigo Rubem Rola completou 59 anos. No próximo ano, quando completar sessentinha, o bairro de Aparecida vai dar uma grande festa no Centro de Convenções Tucunaré. Essa sim, vai ser festa do arromba. Prometo que vou a Eirunepé comprar os adereços para a festa do Rubem Rola.

 

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